Era nítido o amor da menininha pelo seu pai. Ela o abraçava, beijava suas bochechas, mexia em sua barbicha como se ele fosse o seu bicho de pelúcia. Grudava em seu pescoço como se uma ventania estivesse pra chegar. Também era nítido o medo da perda. Fiquei ali, quase estático, observando os dois na água da piscina. O pescoço paterno era a boia de salva-vidas da filha, e os seus ombros se transformaram em trampolim para a menina sorridente. Era linda aquela festa aquática. Um amor em borbulhas refrescantes. Fiquei cada vez mais curioso com aquela cena molhada e azul.
Continuei a olhar através de minhas lentes espelhadas.
Ao saírem da água, o
homem imediatamente apanhou a toalha no encosto da cadeira de plástico e
começou carinhosamente a enxugá-la ainda de maiô. Colocou-lhe um shortinho
azul, uma blusa rosa enfeitada com uma flor. Entregou pra ela uma garrafinha - possivelmente
com água e de mãos dadas, seguiram para a portaria do clube.
Não consegui parar de segui-los com os meus olhos curiosos.
Já na portaria, ele a
trouxe para o seu colo e ficou parado por alguns segundos até um carro vermelho
parar próximo aos dois. De dentro do carro saiu uma mulher morena, alta e
bonita. Ela aproximou-se da menininha sorrindo e falou qualquer coisa que a fez
grudar mais forte no pescoço daquele homem não menos bonito, não menos moreno e
não menos alto. Seria um encontro lindo
se não fosse o choro da garotinha. Ali, pensei, há uma família incompleta. O
carro partiu, o homem ficou e a minha história não acabou.
Quando o menininho olhou para o seu pai chegando à
plataforma de desembarque da rodoviária, gritou como os fãs de rock gritam ao
verem os seus ídolos. Todos riram com a nítida felicidade da criaturinha e de
seu pai quando se encontraram. Era felicidade explodida em beijinho e
abraços. A cena apaixonada continuou por
mais alguns segundos e se desfez em
silêncio quando a mochila do menino foi transferida das mãos maternas para o
ombro paterno e cada qual seguiu em uma direção. Ficou nítida a falta de
diálogo entre eles. Estava claro que algo se perdera. O homem subiu a escada
rolante, a mulher desapareceu entre a multidão de mãos vazias e a minha
história não teve fim.
No lugar do relógio, ele tinha uma pulseira de couro com uma
placa de metal. Tinha um nome escrito nela. Que nome estaria escrito ali? A
minha curiosidade é maior que a minha timidez. Dei um jeito de ler o nome
gravado na chapa brilhante: Daniela.
E lá vem ela!
Daniela chegou com beijo estalado, com abraço apertado e
muito calor humano. No mesmo pulso havia uma pulseira igual. O nome dele era Ricardo.
Seguiram apaixonados e abraçados. Sumiram na primeira
esquina. Deixaram a minha história no meio do caminho.
No banco da praça ainda havia história. Ela lia um pequeno
livro, ele fazia palavras-cruzadas. Seus cabelos registravam em fios brancos,
possivelmente, um mesmo caminho. Não precisava adivinhá-los. Eram marcas
registradas de uma vida inteira.
Ela o segurava pelo cotovelo quando decidiram ir embora.
Sorri, ao vê-los partindo. Não saberia escrevê-los. Estavam muito longe de mim.
Ela carregava nos braços um buquê de rosas amarelas. Era seu
aniversário? Ganhou de seu amigo? Era o começo de uma nova história? Eu jamais saberia. A mulher de vermelho
entrou num táxi e eu continuei parado, absorto pela leveza encontrada, tentando
adivinhar qual seria a nossa história se não existissem as rosas em seus braços.
Ele andava rápido entre a multidão. Carregava uma pasta de
couro surrada numa mão e um pacote na outra. Era um funcionário público? Teria
um novo encontro? O seu passado o condenava? Ainda tinha um futuro? O seu
presente é tranquilo? Pra onde estaria indo? A sua história se cruzava com a
minha? Não saberei antes de reencontrá-lo.
Depois de muitos olhares, de muitos passos, de muitas
interrogações, o dia chegou ao fim. As nuvens escureceram, os pássaros foram
dormir, as luzes se ascenderam e muitas outras histórias continuavam sem mim.
Ao voltar para casa corri ao espelho para certificar-me se
ainda estava inteiro. Estava, eu estava sim!
Paulo Francisco
Tantas historias, que muitas vezes levam e trazem muito de nossa alma.Amei Bjos achocolatados
ResponderExcluirLindo te ler , gosto das tuas inspirações! abraços,chica
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