Acaso

 Do nada, ela vem com essa pergunta:

- Paulo, porque você nunca sorri nas fotos?

Respondi à pergunta citando Cecília:

- ¨Longe, num barco,

deixei meus olhos alegres,

trouxe meu sorriso amargo. ¨

Aí sim, sorri. Sorri não pela minha resposta, mas pela cara engraçada que ela fez. Dei um pulo da cama e fui até a estante, peguei o livro de Fernando Pessoa e recitei Sorriso audível das folhas:

¨Sorriso audível das folhas,

Não és mais que a brisa ali.

Se eu te olho e tu me olhas,

Quem primeiro é que sorri?

O primeiro a sorrir ri.

Ri, e olha de repente,

Para fins de não olhar,

Para onde nas folhas sente

O som do vento passar.

Tudo é vento e disfarçar.

Mas o olhar, de estar olhando

Onde não olha, voltou;

E estamos os dois falando

O que se não conversou.

Isto acaba ou começou? ¨

Ao término da declamação, o quarto transbordou-se de gargalhadas. Rimos numa inocência juvenil. Como é bom quando um sorriso chega inesperadamente. Ele sempre alivia, enaltece e fortifica a alma.

Claro que sorrio. Talvez, menos que outrora, mas ainda sorrio. Às vezes, o meu sorriso fica retido, represado no peito e vaza pelos meus olhos miúdos. Ontem mesmo aconteceu esse sorriso silencioso que me fortalece: estava indo pra casa e surpreso, vejo sentado em um banco do ponto de ônibus, entre duas senhoras, Manoel, marido de minha amiga Valéria. Continuei a viagem com sorrisos nos olhos.

2 comentários:

  1. Apesar dos rodopios, há palavras identificando de quem se fala...ou de onde vem a inspiração...

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  2. Adorei o poema! Realmente você sorri com os olhos. Belíssimo texto!
    Boa tarde, Paulo.

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