Agonia

As paredes continuavam brancas. E o sangue interno vazava, lentamente, pelos seus poros, desenhando na pele caminhos tortuosos. A epiderme se manchava. A alma resistente persistia em ficar. Mas o que era interno se exteriorizava e se esvaziava. O corpo encarnado tornava-se imóvel, afogado em si.
E as paredes continuam brancas.
.
.
Paulo Francisco
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.

Fatalidade

Os olhos se fecharam. Um último suspiro e pronto: lá estava um corpo estendido de braços abertos, pernas abertas, peito descoberto, boca aberta e um ruído medonho, não deixando ninguém em paz.
Madrugada infernal.

.
.
.
.
.
.
Ele não para de roncar!




Paulo Francisco

Percepção




A menina estava brincando no jardim de casa, quando percebe uma abelha pousada no miolo da margarida branca. Ela ficou ali, parada, observando o inseto tomando banho de pólen.
Depois de certo tempo, a abelha se foi.
Quando sua mãe chega em casa e a encontra coberta de flocos amarelos retirados das almofadas da sala, pergunta:”Por quê? Por que minha filha?”
A menininha responde com uma outra pergunta: “Você não gostaria de ser uma abelha, mamãe?”
E as duas cobertas de flocos amarelos sorriem rolando no chão da sala.



Paulo Francisco

Fuga




O jeito quase de menina, desperta nele o desejo de tê-la. O carinho que tem um pelo outro é tão grande que o medo de se machucarem é enorme. Eles sabem que há amor; que há ternura. Eles sabem que são mais que amigos e, cada qual com sua intensidade de gostar, se desejam, se querem. O recuo de um é o desespero do outro. A investida de um é o medo do outro. Assim, só ficou o que eles mais prezam - a amizade salpicada de desejos.


Paulo Francisco

O brincalhão

O pobre coitado foi obrigado a inventar a sua própria morte para se livrar da mulher– chata. Estava escrito em seu obituário: Entregue minhas cinzas ao meu único amor. A mulher tem em sua sala uma linda urna com cinzas de um churrasco maravilhoso que ele oferecera aos amigos antes de desaparecer.


Paulo Francisco