Observador de estrelas

Sempre gostei de olhar para o céu. Faço isto até hoje. Não tem um dia que não olhe para ele e procure uma estrela ou se a lua está a observar-me.

Quando menino, o céu era tão maior, tão mais azul. Mas eu era menino, acreditava que podia ser astronauta, ou um guerreiro que surge entre nuvens e relâmpagos.

Hoje, eu ainda olho para o céu, procurando a estrela mais brilhante, converso com a lua – e como converso com ela!. Sei que posso ser astronauta em versos e prosas; sei que posso ser o guerreiro que quiser; e sei, também, que nem todos os céus são para serem tocados ou admirados.

Quando menino eu queria agarrar uma estrela, sair correndo atrás de uma estrela cadente e guardá-la em minha sacola. Quando via uma, cerrava os meus olhos fortemente e encolhia os ombros, na esperança que daquele jeito todo encolhido, os meus desejos chegassem até ela mais rápido. Sempre desejava a mesma coisa: que um dia ela caísse em minhas mãos.

Cresci e nenhuma estrela cadente chegou perto de mim, todas caíram no mar. Eu, morador de montanhas, fico no mais alto ponto, todo encolhido e de olhos bem abertos, olhando a planície lá longe e o céu. E quando vejo uma estrela cadente, não mais faço pedidos, simplesmente a admiro e sigo o seu percurso em direção ao infinito.

Mas confesso que às vezes gostaria de ser novamente aquele moleque sonhador e sair voando como um guerreiro invencível atrás da minha estrela cadente.

Ainda hoje eu vi uma estrela.

Paulo Francisco

Passarinho na janela

Um dia fui visitado por um passarinho. Acordei com ele cantando em minha janela. Observei que seu canto era, ao mesmo tempo, de felicidade por estar ali, livre e de lamento por não saber o que fazer – era um passarinho anelado e anilhado. Sim, era um pássaro de gaiola.

O que acontece com aquele que tanto deseja sua liberdade, mas não sabe o que fazer com ela? Torna-se um passarinho na janela? Fica com medo de voar, ou de ultrapassar aquele vão e se tornar de novo um prisioneiro?

Percebi, observando o cantador, que uma vez domesticado jamais teria sua vida selvagem de volta – o mundo lá fora é competitivo e cruel. Possivelmente seria uma presa fácil.

Quando já estava resolvido a capturá-lo, fui interrompido por palmas no meu portão – era um jovem de seus vinte anos. Notei que segurava uma gaiola de madeira – era, certamente, o carcereiro do fugitivo. Deixei o jovem ignorante entrar e fazer sua captura.

Pensei em textualizar sobre a preservação e o crime que é capturar e prender uma espécie silvestre, mas desisti – sabia que não adiantaria, não seria ouvido. O mais importante, naquele momento era a felicidade do penoso indeciso.

O jovem, estrategicamente, colocou a gaiola a certa distância do animal, colocando alpiste e água fresca no interior daquela prisão de madeira e se afastou em movimentos felinos.

Fiquei ali torcendo para que aquele frágil animal vencesse seu medo e voasse para longe pra nunca mais voltar. Mas, não é bem assim para quem tem medo do desconhecido. E, em pouco tempo, lá estava ele dentro de sua cela se refrescando numa banheira de água fresca.

Abri o portão e os companheiros se foram cantando caminho a fora.

Hoje eu acordei e fiz de minha janela um poleiro, danei-me a cantar.



Paulo Francisco

Céu de brigadeiro

Não gosto de surpresas. Hoje, o dia me surpreendeu - ficou chuvoso e esfriou rapidamente. Dias nublados me entristecem. É como se as nuvens, zangadas, não permitissem que o sol chegasse por completo com seus raios quentes. Em dias assim, eu sou o sol escondido.
Não consigo concentrar-me absolutamente em nada em dias acinzentados.
Acredito que seja porque a visibilidade não é total nem para ver o sol e muito menos para namorar a lua. E sem os meus banhos estelares a boêmia fica incompleta. Noite sem um céu anilado coberto por senhoras que brilham é o mesmo que viola sem seresta – fica vazio.
Quem gosta de olhar para nuvens carregadas de íons e prótons?
Quem gosta de luminosidade sem a presença do rei vermelho?
Quem gosta de namorar sem a lua como cúmplice?
Eu não gosto!
Eu gosto de céu azul: se dia, um azul que me lembre roupas de bebê; se noite, quero um céu azul de metileno decorado por constelações perfeitas.
Por isso gosto de seu céu, ele é assim, como descrevi . Ele me embala em canções doces.
No seu céu, eu sonho e desejo – torno-me romântico e engulo estrelas cobertas por açúcar de confeiteiro.
Com o seu céu me cubro por inteiro – me torno pescador de estrelas.




Paulo Francisco

Amigos

Caminhava totalmente absorto, de repente me deparei com um sorriso amigo. Recuperado do susto, gargalhamos como dois moleques arteiros.
A principio, conversamos amenidades, os nossos olhares não permitiam conversas duras. Já não nos víamos há mais de ano.
O sol debruçado sobre as montanhas e nós debruçados em cervejas e conversas.
Não estávamos mais sozinhos, nossas lembranças nos acompanhavam e a cada uma delas revelada, retirávamos um do outro pedaços de epiderme encourada pelo tempo.
Desnudamo-nos sem a vergonha do macho. Éramos, ali, seres frágeis compartilhando dor; éramos seres-crianças compartilhando felicidade.
A lua já a pino anunciava a metade da noite.
Hora da despedida, hora de revelarmos o quanto valeu a pena aquele encontro. Um abraço e um sorriso; outro abraço e a promessa de outros encontros.
Ele seguiu como surgiu – de repente.
Eu voltei a caminhar madrugada adentro absorto e leve.
Percebi que a amizade nunca acaba. Amigo a gente não escolhe. Amizade é uma coisa natural, sem genética, sem padrão. Basta alma.
Hoje, faz um ano, o nosso último encontro.



Paulo Francisco


Vem!

Dance comigo!? Morro de medo deste pedido. Eu já não sei mais dançar. Admiro os casais que conseguem mostrar suas habilidades em um salão. Além da minha timidez, sou pé trocado, não tenho mais o ritmo de outrora.
Dance comigo!? A minha resposta será sempre a mesma: Eu não sei dançar. O pior que não saber dançar é vê no olho dela a cara de decepção. Naquele momento me sinto menos homem, menos cavalheiro, menos divertido.
Num lugar desses, eu não sou competitivo, não marco território. Sou turista com a máquina na mão. Num lugar desses, eu danço.
Dance comigo!? Antes que este pedido chegue até mim, arrumo um jeito de ficar invisível. Escondo-me por trás de um copo cheio de chope ou fico o mais longe daquela arena de pés mágicos. Não nasci para coreografar, nasci para observar.
Dance comigo!? Quando ouço este pedido entro em pânico. Fico em pane. Vou ao casamento, mas nunca à festa. Não saberia dançar com a noiva.
Mas, se um dia você me pedir pra dançar contigo, tomar-me-ei de coragem e responderei pra ti: Claro! Você me ensina?


Paulo Francisco