¨Eu sei que eu tenho um jeito...¨

Quero muito mais. Às vezes me torno exagerado. Gosto do excesso. Se não pode ser por inteiro, então não me serve. O que adianta um pedaço de pudim se estou de olho na travessa inteira? Uma taça de vinho é o começo pra chegar ao fundo da garrafa. Nem meia noite, nem meio dia. Quero o sol e a lua e, depois, a prorrogação. E no final quero empate. Pra mais tarde ter a decisão por pênalti. Chute a chute; gol a gol.

Tensão e felicidade.

Vivo a partir do exagero, do surreal. E daí? Sou espalhafatoso, mas a timidez me convida para uma dança no salão vermelho. Sou chorão, mas a alegria me convida a gargalhar.

Isto! Sou o que não veem. O retrato três por quatro é figurativo. Mas o borrão ao lado não.

Mas quem realmente está exposto por completo? O cara de batina? A farda de maior patente? O jeito pudico da moça? A boca vermelha da puta? A velha senhora com a sua sombrinha?

Este meu jeito exagerado de ser, confundido como dramático é, e sempre será, a minha marca. Marca de nascença, tão verdadeira como o sinal nas costas dela.

Não me contento em somente olhar, tenho que cheirar. Sou táctil, minhas mãos tem que escorrer entre suas pétalas. Só me conformo e me conforto quando percebo sua suavidade e seu aroma.

Exagero? Pode ser! Mas é assim que sou. Fui criado com duas sessões de cinema - numa Greta Garbo e na outra Marlene Dietrich.

Dramático? Quem sabe! Ouvia novelas no rádio.

Romântico? Sim! Escrevia carta de amor sem o menor pudor.

Eu sou assim:

Gosto de beijos demorados e apertados. – é assim que sei amar.


Paulo Francisco

Clic

Como se faz para uma pessoa desaparecer? Contrata um mágico ou um pistoleiro?

Já vi acontecer das duas formas. Confesso que nunca entendi nenhuma delas.

A mágica faz desaparecer, mas o retorno do desaparecido sem nenhum arranhão e sorrindo é fato.

O mágico é fascinante, ele passa certo mistério, certo medo, deixa-nos de olhos fixos em sua tarefa – é um desafio tentar descobrir como ele faz. Mistério!

Mas mágico que é mágico não deixa rastro.

O que faz uma pessoa mandar eliminar de vez outra pessoa? Nunca entendi bem. Foge-me à compreensão. Não sou nenhum santo, confesso, às vezes, sinto tanta raiva do outro, mas desejar sua morte está longe de mim, quanto mais mandar eliminar. Até porque a raiva passa.

Eu não consigo entender o prazer que uma pessoa tem em tentar eliminar a harmonia do outro. Acredito que pessoas assim não sabem o que é o amor. Não amaram e nunca foram amadas. Uma pena – amar é a coisa melhor do mundo.

Qual o benefício em desarmonizar? Será que existe algum beneficio? Prazer pessoal? Que prazer é este?
Por outro lado, também, não consigo entender uma pessoa que se deixa, tão facilmente se desarmonizar. Depois de uma certa idade, quando passamos por tantas coisa, temos mais que transcender e não acumular. 

Como se faz uma pessoa desaparecer?

Aqui, basta um clic...


Paulo Francisco

Transgressão

Mesmo sabendo que contar estrelas eu poderia ficar com os dedos cheios de verrugas, não resistia e contava-as até o meu infinito.

Sempre fui assim, adorava transgredir. E transgredindo descobri que os adultos adoravam mentir para nós – as crianças. E, como toda criança, eu adorava imitá-los. Então, mentia desavergonhadamente. Eu era um inventor, contava as mais absurdas histórias e acreditava nelas.

Não sei se mudei tanto assim, acho que estou mais mentiroso que nunca e mais contador de estrelas que antes. Hoje não só conto, crio minhas próprias estrelas. Faço delas meu céu.

Neste exato momento, mais uma constelação surge em meu mundo celeste, Ela surge com um formato singular; tem rosto redondo, cabelos ondulados e medianos, carrega em seu ombro não um vaso, e sim um cesto de rosas, rosas vermelhas; a minha mais nova constelação está envolta por um coração, seu sorriso é a mistura do sorriso do gato de Alice com o sorriso de Monalisa de Leonardo da Vinci, depende de qual hemisfério você a observa.

Neste exato momento invento, crio uma história – só me resta encontrar a protagonista que se encaixe nela.
Quem se habilita?


Paulo Francisco



Vida selvagem

O inseto verde entrou como um raio atraído pela luz daquele ambiente – era uma esperança. Com suas asas em forma de folha, ele permaneceu estático, contrário a sua natureza, ficou em evidência na parede de cor pêssego.

O que ele faria ali, num ambiente tão diferente do seu? Não seria um suicídio se expor?

Aquele pequeno ser foi atraído pela luz artificial. Não conseguiu diferenciar a luz do dia e, no desespero da noite sem lua, voou para o primeiro clarão que viu.

Ainda é noite e há perigo lá fora.

O inseto permaneceu inutilmente em sua posição de camuflagem – estático como uma folha – naquela amplidão cor de pêssego.

Confiante, resolveu investigar aquele lugar tão novo e acolhedor. Não voou, andou. Caminhou pela superfície frisada, mexia com as suas pernas dianteiras, como estivesse se limpando.

Seu canto agudo anunciava sua felicidade em poder estar fora de perigo.

A alegre cantante passou a voar de uma parede a outra. Seu canto era claro e forte. Sua confiança era absoluta.

E num destes vôos dançantes de felicidade, a surpresa: ZAPT! A esperança foi morta por um calado réptil que a observava atentamente.

Foi engolida por uma lagartixa.


Paulo Francisco

Outro céu

Não estamos no mesmo céu. Não sei até quando o meu céu permanecerá neste azul. Talvez eu queira transformá-lo em outra cor. Quando adulto, passei um bom tempo de minha vida sem olhar para o alto. Não tinha perspectiva de mudança do tempo. Estava tudo sempre muito cinza, carregado de demência.


Às vezes, passamos uma boa parte de nossas vidas presos ao chão e, é necessário um furacão para nos tirar de tamanha adesão.

Já estava achando que a aderência existente na sola de meus pés era do tipo não sai mais. Mas que bom que era de má qualidade e pude descolar-me deste piso frio com sopros alísios, sem muito esforço. Então, pude viajar em ventos fortes. Já permaneci em calmaria; já suportei o controvento em minha cara. E nestes ventos variados conheci alguns céus.

Quando em cárcere, o céu não passa de uma pequena tela em movimento – nos deixam estáticos. Quando livre-cigano, ele é multicolorido, tem ritmo, tem dança – faz-nos viajar em outros ares. Sou, neste momento, um caçador de ventos. Guardo-os em lembranças.

Com o vento viajei por aí, sem destino, rindo, apaixonando-me por pessoas e coisas. Hoje estou menos à deriva, mas não estou fixo. Posso ir em busca de outros céus; de outros mares; de outras montanhas. Deram-me asas.

Não estamos no mesmo céu. Minhas nuvens estão sempre por aqui, em véus, posso pegá-las com as mãos. Brinco de faz-de-conta neste meu mundo particular. Posso transformá-lo num azul mais anil, acinzento quando preciso, faço chover, desenho um sol, ele pode ficar denso ou posso deixá-lo mais transparente, salpicados com pequenas nuvens de algodão.

Não, definitivamente o meu céu não é igual ao seu. Este seu céu é único, verdadeiro.Tem ritmo de tango. É faceiro. É Buenos Aires. É desejo. É vontade.

Este teu céu em ouro, cega-me, de tanto olhá-lo.

Definitivamente, Paula Barros, este teu céu é melhor que o meu.