Por causa da flor

¨Passando pelo blog da Lis,encontrei isso:

"O híbisco ou graxa de estudante é a flor de minha infância... só mais tarde, bem mais tarde, descobri que era uma flor hermafrodita e foi com ela que aprendi a descobrir os órgãos das flores¨

Quando abri o meu blog, encontrei este recado de Rosane Marega. Foi um comentário que deixei no blog da Lis. Tinha uma citação e a fotografia de um hibisco.

Realmente, o hibisco é a flor de minha infância. Lembro-me que andava, ainda segurando a barra da saia de minha mãe e admirando as cercas-vivas de hibisco, que enfeitavam toda a rua.

Disputava com as abelhas e formigas sua seiva.

Toda vez que vejo uma dessas cercas remeto-me para uma idade de inocência – mesmo sendo uma peste, segundo os adultos daquele tempo.

Ficamos encantados quando dissecamos o hibisco e descobrimos seus órgãos reprodutores. O professor aproveitou par explicar sua estratégia de polinização – Foi o máximo! Aprendemos a identificar outras flores, uma que achei interessante foi a flor da aboboreira – tem a flor macho e a flor fêmea.

O homem aceita com tanta naturalidade o fato de uma planta ser hermafrodita, de ter os dois sexos e, no entanto, fica de pé atrás com um homem ou uma mulher ser gay ou bissexual. Será que isto acontece porque os professores na hora de ensinar os órgãos reprodutores das flores ficam somente no vegetal e não transportam o conhecimento para um campo mais amplo? O mundo não seria bem melhor se tivéssemos aprendido, de maneira clara, sobre a sexualidade humana, quando ainda não temos tanto preconceito? Criança aceita e entende melhor. Por certo teríamos menos homofóbicos neste mundo. Menos intolerância. Acredito.

OK!! Confesso quando vejo duas gatas se beijando fico triste por causa da estatística daquele exato momento: ¨menos duas!¨ penso como macho e não como homem. Mas nunca com raiva (seria ridículo!).
E ultimamente, tenho visto muito tal cena. Aplaudo a coragem de serem livres e se beijarem em público, sem o menor constrangimento – coisa que há algum tempo seria abominável.

É Rosane Marega, o hibisco e uma flor hermafrodita, como várias outras e nós, humanos, infelizmente somos ignorantes em tantas coisas que naturalmente nos cercam. Não é ?


Paulo Francisco



Numeral

São oito horas. Ou são vinte horas? Acho que prefiro dizer que são oito horas da noite. Oito é o meu infinito em pé. Tenho que tomar um comprimido a cada oito horas. A maioria trabalha oito horas por dia. Muitos conseguem dormir oito horas de puro sonho - que inveja!.

Os namorados se encontram às oito. O jantar começa às oito. Muitos vão dormir às oito horas. Outros acordam às oito da manhã.

Eu tenho oito dias para preparar um relatório, mas só o preparo faltando oito minutos para entregá-lo. O meu filho nasceu no mês oito. Uma das minhas irmãs nasceu no mês oito, a Claudia, minha amiga também. No mês oito não tem feriado no calendário – um horror!.

Tudo isto escrito por causa da lua que, de certa maneira, me lembrou as suas oito fases, quando a olhei no céu.

A lua tem essa magia de delirarmos por ela ou através dela.

Quando vejo a lua, olho, automaticamente, para todo o céu, admirando, também, as estrelas. E neste olhar ampliado, tento desenhar formas inéditas, ligando as estrelas - mas sempre usando oito pontos.

E oito pontas tem a minha estrela preferida.

Paulo Francisco

Em Garde

Xeque-mate! Não jogo xadrez. Nunca me interessei por esse jogo. Talvez por não gostar de matemática e ser um péssimo estrategista. Mesmo não gostando do tabuleiro, sempre gostei da frase xeque-mate. A frase me chega como uma vitória classuda e para quem a ouve uma decepcionante derrota. É um jogo de cavalheiros e estrategicamente solitário.

Já a palavra touché é fulminante, acaba com o oponente com um golpe certeiro. O touché não tem o mesmo sentido que o xeque-mate. Ele elimina o adversário na sua inabilidade. É uma batalha individual na qual você não pode deixar ser tocado em suas áreas vitais. Caso contrário, será vencido. Sou distraído demais pra este jogo.

Já recebi muitos xeques-mates e muitos touchés por aí.

Quantas vezes a minha estratégia em chegar ao campo do meu oponente foi por água abaixo por um simples equivoco; por uma simples colocação errada de uma frase. Não adianta tentar voltar atrás. Já foi lançada e, o meu contrário, já a agarrou e, sem piedade vai me dizer: ¨Xeque-mate!¨ Quando isto acontece é como ficar sem roupa em plena missa de domingo – não tem desculpas. Perdi. Fui menos inteligente – dureza em aceitar.

Numa batalha vale tudo? Não sei. Mas numa esgrima vale a elegância de cada movimento e você deverá tocar o outro na sua vulnerabilidade. O touché imobiliza o rival sem a possibilidade de um contra-ataque. Touchè! Você acaba de ser tocado. Não tem jeito, ser atingido em áreas vitais impossibilita a reabilitação.

Não me conformei e desafiei para um duelo e não demorei muito pra ser atingido no coração. Não adianta, não sou bom em confronto. Distraio-me com facilidade. Sou um sonhador nato. As minhas guerras e batalhas não têm armas e nem invasão.


Paulo Francisco

Muito mais que romântico

Ela era tudo que eu tinha. Eu não entendia os meus sentimentos. Afinal, eu era tão menino ainda. Eu não consegui entender o porquê do tamanho daquele desespero. Afinal, era tudo tão proibido. E tinha em mim, um medo tão latente e verdadeiro de perdê-la antes de tê-la, que me fazia sofrer e ao mesmo tempo sonhar.

Ela era a senhora de meu bosque encantado; a feiticeira bonita que mudava, num zás, o meu corpo infanto-juvenil, num corpo de um homem aflito e impulsivo.

Aprendi desde muito cedo a velar e a segredar o proibido.

Ela era tudo que eu tinha – dor sem fim. Eu sabia que meus braços jamais a alcançariam de outra forma senão em abraços ternos. Minhas mãos jamais a pegariam senão em caricias secretas.

Contentei-me, por muito tempo, a existência de sua nudez vertiginosa em gozos roubados em tardes escondidas. Mas, um dia a gente cresce; um dia se descobre que nada é impossível quando há amor, quando há alma atrás da carne.

Ela era de uma forma ou de outra, o inalcançável, mesmo estando inteira em minhas mãos.

Meu primeiro amor, minha primeira dor. Meu primeiro pecado, minha primeira vertigem.

Até então, eu não sabia que a alma doía.

Hoje teclo neste computador a dor da alma. Minha alma dói, ela dói por não ser inexistente; ela dói por estar pálida; ela dói por não ser volátil; ela dói por estar compacta.

Minha alma dói, simplesmente dói.

Escrevo o que vem de mim, e o que vem não é o pensamento de ontem, não é o que virá de uma certeza medíocre, de uma rotina imposta, de um amanhã sabido. Teclo o que tenho hoje, teclo neste imediato confuso; teclo neste instante em que vivo; teclo neste agora registrado pelo barulho do dia, anunciando que em pouco tempo o sol irá embora.

Ela ficou triste com a minha partida repentina.

Minha respiração está fraca, muito fraca - é necessária que ela esteja assim – fraca, quase ínfima - para que o ar engolido pelo meu corpo não apague as marcas entranhadas em minha mucosa rubra e brilhosa.

Eu não quero isso nem aquilo. Quero muito mais ou tudo isto.

Cuidadosamente, eu a seduzi e me tornei seu pecado original. Foi belo, foi eterno, foi celestial. Todos os medos e todas as transgressões no olho de um furacão emocional.

Respiro lento, cuidadosamente lento, pra não desmanchar as cicatrizes pálidas que se encontram, em alto-relevo, na minha derme exposta.

Ainda tenho, em minha carne pálida, cortes abertos, feridas mortas, marcas de minha sobrevivência, sangue em efervescência. Eu tenho em minha carne registros de minha existência, tatuados em nomes invisíveis.

Nesta máquina gelada, transfiro o que há em meu peito, que por hora, encontra-se quente, em borbulhas de interrogações doidas. Ah! quem dera eu pudesse apagá-las!  Mas se apagadas, desintegro-me também. Sou a minha própria marca. Sou refém de mim mesmo.

Sim, você pode até achar que tudo isto é um lamento. E é. Sou construído de camadas, mas não sou casca; sou preenchido por fluidos – líquidos que transbordam sentimentos reversos.

Se eu tenho ódio? Sim. Se eu tenho amor dentro de mim? Claro que tenho! Tenho ódio e  amor  em convivência aflitiva e deles tento sobreviver neste exato instante. Turbulência caótica em desejar e amar; em querer e poder.

Sou gente e meu sangue é escuro e denso. Sou humano. Sou Homo sapiens de sapiência em construção.

Não me condene antes de saber de mim, se sou ou não o carrasco de seu viver. Não me aponte antes  de descobrir se a imagem vista é o seu real obscurecer.

Lá fora, chove neste final de tarde, água imprópria que cai em minha porta, impedindo-me de ver o cair do sol. Quero sair daqui e ao mesmo tempo, quero ficar. Quero terminar o que escrevo e ao mesmo tempo, tenho medo de que o texto chegue ao fim. Dicotomia vivida, encruzilhada perdida.

Escrevo palavras soltas, frases que não se encaixam, escrevo o que está dentro e fora de meus olhos.

Olho para as minhas mãos e percebo um leve tremor. Talvez seja o temor da dor, da insistência em querer ficar por aqui. Sinto dor.

Estou vivo. E é neste viver insólito que a minha alma dói. Dói neste exato instante de lucidez. Dores finitas que chegam, em fisgadas finas e quentes, à minha carne já enfraquecida.

Sou o homem são que ao ver o mundo, silencia-se para esquecê-lo.

Viajo em trilhas perigosas onde garras afiadas se armam para um futuro ataque.  Eu voo e escapo dos dardos envenenados deste mundo tramado.

Tu não me sabes, mas eu te sei.

Escorrego pelos fios da teia da aranha. Deslizo-me no ácido viscoso da mosca. Agarro-me no aguilhão do escorpião, adormeço no ninho da Naja.

Guardo na memória desta máquina fria o que transborda pelos meus poros: calor, dor, amor e paixão. Paixão pela vida; amor pelo próximo, mesmo a grandes distâncias.

Teclo em fúria produzida pelo descaso humano. Desnudo-me de mim. Torno-me o sereno que molha as calçadas por onde o vagabundo passou.

Em minhas mãos, desenho o punhal que cortará o cordão que liga as dimensões inequívocas entre nós.  E, aí, duas pontas surgirão e flutuarão no vácuo de nossa existência; dois cordões crescerão e se tornarão cabos de aço que sustentarão os vagões de nossas vidas. Eles se interligarão em outras dimensões: a dimensão da razão e a dimensão da emoção. Seremos um todo e como tal frutificaremos o nosso pomar.

Ela é tudo que eu tenho.  Teclo o meu imediato, o meu pensar e o meu pesar. Teclo e registro o óbvio: se não o faço, não vivo.

Ela é tudo que eu tenho – a esperança é tudo que eu tenho. Afinal, sou adulto e sei que com ela tudo é possível.


Paulo Francisco

¨Se você fosse minha namorada¨

Quando adolescente, ouvia uma determinada música e de imediato me lembrava da namoradinha do momento ou do passado. Acho que os jovens de agora não curtem este negócio de oferecer música para o seu amor.

Na minha juventude, respirávamos música.  Então, nada demais a música fazer parte de uma relação. Será que hoje os jovens respiram música? Acho que não tanto quanto antes.


Dançávamos juntinhos. A cabeça  em rodopios que entorpeciam, enquanto os corpos se aqueciam em lentos movimentos.

A luz negra, camuflando os sedentos pensamentos bons, fazia parte dos bailes de final de semana. Era assim que dançávamos. Hoje já não danço.


Mas permaneço a entorpecer-me e aquecer o meu corpo, ouvindo melodias em baixos decibéis à meia luz do abajur de meu quarto, ou não.


Dancemos em acordes invisíveis. Ouçamos corais de querubins! Mas se você fosse minha namorada, certamente, eu dançaria; dançaríamos nestas noites insones de madrugadas silenciosas, quando a música que nos embala é o desejo telepático. 


Ah, Se você fosse minha namorada!  Ouviríamos orquestras de cordas e sopros. E eu que não sou cantor, arriscaria em seu ouvido uma canção. Uma canção de amor.

Paulo Francisco