Por e pra ela

Por que você é assim? Depois de uma maratona de descidas e subidas à Bienal, fechei a minha sexta-feira com uma quantidade boa de livros comprados e um tempo record de engarrafamentos acumulados. Estava cansado, a semana foi prazerosa e estafante ao mesmo tempo. Saí de minha rotina – coisa que me dá prazer - mas estava muito cansado – coisa que me angustia. Cheguei à minha cidade com lua e estrelas, e não fui direto pra casa – coisa que deveria ter feito – mas acompanhei Lúcia até o mercado, ela fora comprar cervejas. Disse-me ela, que estava com vontade de ficar em casa de pernas pro ar – coisa de que eu duvidava -. Ela tem dois filhos pequenos. Compramos o seu líquido sagrado e nos despedimos. Ela foi para um lado e eu para o outro. Resolvi, então, parar no João (meu botequim preferido). chegando, encontrei o Valmir e o Wanderlei numa prosa animada. Cumprimentei-os, sentei numa mesinha perto da porta, pedi uma cerveja e senti um prazer enorme de missão cumprida: Os meninos se comportaram como gente grande. Brincaram sadiamente – coisa que na minha época de moleque não acontecia - éramos levados demais para fazermos uma viagem tranquila – zoávamos com todos e com tudo.

Mostrei o que comprara naquele dia para o Wanderlei e discutimos alguns autores.

O bar estava vazio, somente a gente. Percebo o João e o Valmir parados nos olhando... ouvindo.

De repente o Valmir me sai com a seguinte frase: ¨ Paulo, por que você é assim?¨ Cai na gargalhada. Valmir é um farmacêutico dos bons. Minhas conversas sérias com ele rendem aprendizados na área de bioquímica que não tive na faculdade. Antes de ir ao médico converso sempre com ele e o camarada nunca errou um diagnóstico. Mas ele não é das letras, não lê, não gosta e, possivelmente, só lê livros técnicos e certamente no jornal, a página dos esportes. Fazer o quê? Nada.

João, velhinho esperto, carrega consigo a malandragem dos tempos áureos e a aspereza dos tempos duros. Mas é um coroa que gosta de música e consegue lê as entrelinhas de uma letra de música, mesmo tendo pouco estudo.

Já o Wanderlei, é um camarada que passou várias vezes para as faculdades públicas e não cursou nenhuma. Motivo: medo de sair e enfrentar o desconhecido. Ele é daqueles que a cada ano tenta quebrar algo que o prende ao chão. Tem medo de voar.

Talvez, eu seja o estranho no ninho daquele lugar.

Mesmo sendo um local de total descontração, temos um dia para transformá-lo praticamente em nosso – a segunda sem-lei quando pode sair uma bacalhoada, um pato ao tucupi, por exemplo. Neste dia, discutimos sempre assuntos sérios, ou simplesmente nos tornamos pessoas alienadas e bebemos e gargalhamos sem o menor constrangimento.

Pois bem, saí daquela sexta-feira com a frase do Valmir em minha cabeça: Por que você é assim? Sei que ele sempre a usa, quando não consegue se vê na pele do outro.

Por que me lembrei deste dia justamente agora, algumas semanas depois? Simples, ontem ela bateu com o telefone em minha cara por duas vezes. Estava irritada comigo, estava irritada com o meu comportamento, estava irritada com o mundo.

Não sei o que acontece comigo. Há momentos que eu deveria ficar com a boca fechada; deveria ficar somente ouvindo e de quando em quando sair com um ¨hum - hum¨ou ¨Ok¨. Mas não! cismo em abrir a boca pra contradizer. Sei que vai dar problema, mas não tomo jeito, vou e digo o que penso. Pronto, cara amarrada, silêncios eternos, telefone batido na cara, ou um tempo enorme pra me explicar, esclarecer o que eu disse.

Mas como o Valmir mesmo perguntou: Paulo, por que você é assim? Respondo: Não sei.

Gosto dela. Pra ela, sei pedir perdão, mesmo não sendo eu o culpado.

Gosto dela. Pra ela, sei refazer um sorriso, mesmo triste.

Gosto dela. Pra ela, sei onde está o tesouro, mesmo não tendo o mapa.

Gosto dela. Pra ela, sei ser paciente, mesmo não tendo paz

Gosto dela. Pra ela, sei ter certeza, mesmo na mais clara incerteza.

Gosto dela. Pra ela, sei me fazer silêncio, mesmo com o coração gritando.

Gosto dela. Pra ela, sei dizer com o olhar, mesmo não querendo dizer.

Gosto dela. E isto me basta.



Paulo Francisco

Perfume de flor

O vento trouxe um cheiro novo. A porta da sacada estava aberta e o seu quarto foi invadido por um delicado aroma. Era uma mistura de vários cheiros - alguns reconhecíveis, outros não. Ora pétalas de rosas, ora uma fraca alfazema. Jasmim? Lavanda? Almíscar ou Patchouli? - Ele começou a se perguntar, intrigado com tanto cheiro de felicidade.

Junto com os cheiros adocicados, vieram as lembranças. Imagens de uma época quando a fragrância entranhava em sua pele

Adorava ser lambuzado pelas peles macias e aromáticas daquelas com quem jurava amor. A lembrança do cheiro feminino em sua mente era mais forte que as suas próprias imagens.

Maníaco!? Quem poderia dizer? Ele não guardava fotografias, ou nenhum tipo de souvenir de seus antigos amores. Ele preferia ficar com a lembrança do cheiro de cada uma delas. Fotografia envelhece, souvenires se perdem, mas o cheiro, guardado em frascos memoriais, não se perderia nunca.

O quarto cada vez mais invadido pelo frescor dos aromas do passado. E ele, cada vez mais rejuvenescido.

Um nome, uma flor. Uma flor, um cheiro.

E quando seu jardim já estava completo por flores e anjos; por deusas e aromas, ele agradeceu a Deus com um silencioso sorriso pálido e dormiu.

Foi coberto por cravos brancos e amarelos



Paulo Francisco


- Bota outra!!!!!

Começo do fim. Sempre acreditei na possibilidade de um novo amanhecer. Nunca durmi achando que lá fora está negro. Pra mim estaria sempre azul. Mesmo com minhas manias exageradas em alguns aspectos, sempre dormia pensando que teria bons ventos e dia claro ao amanhecer. Acordava e a primeira coisa que olhava era pro céu. Verificava sempre se o céu estrelado de ontem correspondia a certeza do prenuncio de um dia bom do hoje. Era batata, dia bom. Tomava o meu café rapidinho. Trocava de roupa e pegava os meus apetrechos: linha enrolada numa lata de leite em pó e duas pipas por garantia. Esquecia-me da vida olhando pro alto. Ficava ali horas com a pipa no ar. Comunicávamo-nos através de fios e imagens.

Guerreávamos através de linha, bambu e seda. O importante era eliminar o outro, pegar o seu espaço, tornarmo-nos donos do pedaço. Ou você elimina o outro e deixa seguir perdida no ar, onde sempre terá um observador à espreita que fará de tudo para conquistá-la, ou você vence e traz pra si a sua presa totalmente dominada – neste caso, você é obrigado a deixar o espaço para admirar o seu troféu e uma outra ocupará o vazio.

Pipa voada é de qualquer um. Ganha quem é mais rápido nas pernas e braços. Mas nem toda pipa voada chega ao chão. Algumas ficam a vagar por aí, umas ficam presas em galhos altos, fios e telhados alheios, outras passam de mão em mão.

Dificilmente saía de casa desprevenido. Muito raramente carregava somente minha lata de linha, tinha sempre comigo, pelo menos, uma pipa confeccionada por mim. Não gostava de nada pronto, fascinava-me fazê-las – tinha tempo pra perder. Construir uma pipa é imaginar seu tamanho, suas cores e suas possibilidades. Pipa pronta, geralmente tem defeito, foi passada por outras mãos em sua construção – tem vícios e sempre é uma surpresa. Bom pra quem só quer se divertir sem maiores objetivos – não se importa em perdê-la.

Uma no ar e outra no chão. Estratégia de não ficar com a mão abanando. Se a minha saísse voando por aí, aparecia com outra no ar rapidinho, para que ninguém pegasse o meu espaço – não chorava pelo leite derramado, a que voou estava livre pra fazer o que quiser: cair onde quiser, ficar presa em algum galho de árvore ou vagando em outros céus.

O bom daquilo tudo era a surpresa de cada dia. Nunca sabíamos como seria o nosso céu. No final da tarde, poderíamos estar com uma coleção de pipas ou somente com a que levantamos voo no começo do dia ou simplesmente com a lata de linha na mão. Qualquer uma destas opções fazia parte do jogo.

Mas o fim era sempre o começo de um novo dia. O importante era não perder a esperança de um próximo dia bom, porque sempre terão pipas no céu.

Então eu dizia que a temporada de pipas no céu era sempre o começo do fim, por isso nunca deixei de sorrir.



Por causa da flor

¨Passando pelo blog da Lis,encontrei isso:

"O híbisco ou graxa de estudante é a flor de minha infância... só mais tarde, bem mais tarde, descobri que era uma flor hermafrodita e foi com ela que aprendi a descobrir os órgãos das flores¨

Quando abri o meu blog, encontrei este recado de Rosane Marega. Foi um comentário que deixei no blog da Lis. Tinha uma citação e a fotografia de um hibisco.

Realmente, o hibisco é a flor de minha infância. Lembro-me que andava, ainda segurando a barra da saia de minha mãe e admirando as cercas-vivas de hibisco, que enfeitavam toda a rua.

Disputava com as abelhas e formigas sua seiva.

Toda vez que vejo uma dessas cercas remeto-me para uma idade de inocência – mesmo sendo uma peste, segundo os adultos daquele tempo.

Ficamos encantados quando dissecamos o hibisco e descobrimos seus órgãos reprodutores. O professor aproveitou par explicar sua estratégia de polinização – Foi o máximo! Aprendemos a identificar outras flores, uma que achei interessante foi a flor da aboboreira – tem a flor macho e a flor fêmea.

O homem aceita com tanta naturalidade o fato de uma planta ser hermafrodita, de ter os dois sexos e, no entanto, fica de pé atrás com um homem ou uma mulher ser gay ou bissexual. Será que isto acontece porque os professores na hora de ensinar os órgãos reprodutores das flores ficam somente no vegetal e não transportam o conhecimento para um campo mais amplo? O mundo não seria bem melhor se tivéssemos aprendido, de maneira clara, sobre a sexualidade humana, quando ainda não temos tanto preconceito? Criança aceita e entende melhor. Por certo teríamos menos homofóbicos neste mundo. Menos intolerância. Acredito.

OK!! Confesso quando vejo duas gatas se beijando fico triste por causa da estatística daquele exato momento: ¨menos duas!¨ penso como macho e não como homem. Mas nunca com raiva (seria ridículo!).
E ultimamente, tenho visto muito tal cena. Aplaudo a coragem de serem livres e se beijarem em público, sem o menor constrangimento – coisa que há algum tempo seria abominável.

É Rosane Marega, o hibisco e uma flor hermafrodita, como várias outras e nós, humanos, infelizmente somos ignorantes em tantas coisas que naturalmente nos cercam. Não é ?


Paulo Francisco



Numeral

São oito horas. Ou são vinte horas? Acho que prefiro dizer que são oito horas da noite. Oito é o meu infinito em pé. Tenho que tomar um comprimido a cada oito horas. A maioria trabalha oito horas por dia. Muitos conseguem dormir oito horas de puro sonho - que inveja!.

Os namorados se encontram às oito. O jantar começa às oito. Muitos vão dormir às oito horas. Outros acordam às oito da manhã.

Eu tenho oito dias para preparar um relatório, mas só o preparo faltando oito minutos para entregá-lo. O meu filho nasceu no mês oito. Uma das minhas irmãs nasceu no mês oito, a Claudia, minha amiga também. No mês oito não tem feriado no calendário – um horror!.

Tudo isto escrito por causa da lua que, de certa maneira, me lembrou as suas oito fases, quando a olhei no céu.

A lua tem essa magia de delirarmos por ela ou através dela.

Quando vejo a lua, olho, automaticamente, para todo o céu, admirando, também, as estrelas. E neste olhar ampliado, tento desenhar formas inéditas, ligando as estrelas - mas sempre usando oito pontos.

E oito pontas tem a minha estrela preferida.

Paulo Francisco