Iluminados




















Para Waldir e Verônica





Os meus vizinhos fabricam velas. São velas artesanais e de uma delicadeza ímpar. São velas que iluminam os nossos olhos pela beleza e aquecem as nossas almas pela ternura mostrada. Os meus vizinhos fabricam velas com amor.

Quando acabava a luz em minha casa, era uma diversão em teatro de sombras. Brincávamos com os pássaros, os lobos, as bruxas e tantas outras personagens criadas pelas nossas mãos infantis. A parede era a tela inventada, com imagens surgidas num aprendizado em sorrisos e suspiros.  Gargalhávamos pra espantar o que em nós estava escondido.

Quando ela chegou, as velas coloridas estavam acesas, a mesa posta e o meu amor aquecido em chamas dançarinas. Foi assim, o jantar que preparei para aquele primeiro encontro em minha casa. Vivemos uma noite de sonhos e delírios, registrados em sombras gigantes e tremuladas nas paredes da casa  -  noite que guardamos com carinho, depois de nossos desencontros em tardes de verão e passarinhos.  Transformamos, mais tarde, as chamas do amor em luminosidade afetiva. Dormimos, hoje, na mesma rede como dois amigos.

Quando cheguei ao sertão sergipano, estranhei o caminho, a luz da lua iluminava os nossos corpos cansados e pesados pela areia fina e branquinha que cismava em cobrir os nossos pés  estrangeiros. O céu daquele lugar era mais iluminado por estrelas azuis do que em qualquer outro lugar que eu tenha passado até então. Luar do sertão e chão de estrelas cantadas por grilos, sapos e corujas – cancioneiros nunca mais esquecidos.

 Ao chegar à casa de minha avó, sorrir com a luminosidade criada pelas lamparinas. O luar do sertão lavou-me em poesias guardadas. Passagem, em minha vida, iluminada pelo carinho de quem me amava sem me pedir nada em troca, a não ser um cheiro pela manhã, à tarde e à noitinha. Cheirinho guardado na alma de quem ainda crescia e dormia na rede com maestria.

Quando a luz acaba por aqui, não ouço aqueles gritos de decepção e nem tampouco a gritaria saudando a sua volta. Há um silêncio soturno de uma decepção tecnológica. Não há mais o teatro, suas paredes são construídas de plasma ou de led – não há mais sombras tampouco dedinhos infantis em telas inventadas.

Ontem, a luz foi embora no meu bairro lá pelas nove da noite e só voltou de madrugada, indo embora logo em seguida, só voltando de verdade no meio do dia seguinte.  Aproveitei pra iluminar a minha casa com velas aromáticas e brincar com a lua, que estava linda e grávida. Ela invadiu meu quarto, e nele, não permiti as chamas inventadas. Banhei-me de poesia lunar até ela se esconder por de trás das montanhas. Ainda posso tê-la no meu céu marinho em noites abandonadas. Nunca estarei só em minha varanda enquanto ela existir. Lua-amiga, lua-guia.

Quando criança, pedia pra que não apagassem a vela enquanto eu estivesse acordado, gostava de vê-la dançando na parede e movimentando aquele ambiente cinza e flutuante. A chama invadia a minha imaginação de garoto que gostava de inventar os seus medos e segredos.

 Os meus vizinhos, Waldir e Verônica, fabricam velas de amor. São velas coloridas e enfeitadas com laços de fita, e que muitas das vezes, dá dó em acendê-las. Mas, se não acendê-las, elas perdem o seu verdadeiro motivo que é iluminar e aromatizar uma noite mágica e apaixonada.

Às vezes eu me pergunto, se eles são bruxos; se eles põem uma porção mágica à parafina ao fabricar suas peças. Mas, como sou um eterno romântico, prefiro imaginar que as velas só ficam prontas de verdade em noites de lua cheia, quando suas almas unidas, exalam o aroma de suas paixões, impregnando-as com as cores da vida.

Os meus vizinhos fabricam velas de amor, e eu as acendo em noites cálidas e infinitas.


Paulo Francisco








Precisão

Estou triste. Sim, estou triste. Acordei com uma dor no peito. Acordei com a sensação de perdido. Não gosto desta densidade, fico viscoso e sem brilho.

Não gosto quando perco minha paleta de cores.

Quando menino, se me sentisse triste, corria para um colo feminino para me aconchegar, seja ele de minha mãe ou não. Não mudei muito, não. Ainda, hoje, quando estou assim, corro para um colo quentinho.

Mas ultimamente, eu não quero qualquer colo – estou mais seletivo - quero o colo de quem vai poder dar-me mais que um lugar quente.

Quero um colo seguro, um que não vai logo embora;

quero um colo com cheiro de flor e gosto de mel;

quero um colo que me faça desejar seu cheiro;

quero a maciez e a segurança de um colo que me aqueça em dias frios;

quero um colo para ser embalado em sonhos.

Hoje, acordei com uma vontade de ter um colo pra poder ficar quieto, sem me mexer, parado e vendo a tristeza passar.

Hoje, acordei assim, triste por não ter seu colo perto de mim...



Paulo Francisco

Água e sabão

O que para muitos é sacrifício, para mim é terapêutico.  Faço de algumas tarefas domésticas a minha terapia ocupacional. Lavo louças, ouvindo música. Tornou-se um hábito transformar a minha cozinha a extensão de minha varanda. Faço dela meu templo budista.

Acordei e fui direto para a área de serviço: roupas na máquina, algumas de molho com alvejante - tarefa que aprendi com a minha mãe – lembro-me da boneca de anil , das roupas  dançando no varal e o corre – corre no quintal, quando o céu se transformava em cinza. Achava engraçado o ¨tchoque-tchoque¨ da água espirrada com as mãos, tirada da bacia, para deixar a roupa sempre molhada enquanto quarava. Não entendia o tamanho sacrifício daquelas mulheres que entre a água e o sabão riam das conversas codificadas, difíceis de serem decodificadas por mim. ¨ Lençóis brancos, corpos limpos. ¨

Saí da área de serviço e fui direto pra cozinha. Sorri, quando me deparei com as cubas lotadas de louças.  



Ensabôo os utensílios e a minha alma. Tiro as impurezas dos objetos e de carona os meus pensamentos embarcam entre espumas e água corrente.

A metodologia empregada segue o ritual aprendido desde criança. A primeira etapa são os copos seguidos dos pratos e travessas de vidro. Os copos são ensaboados com uma esponja especial e exclusiva. É sempre assim: esqueço-me em bolhas de sabão. Volto no tempo e preencho as lacunas existentes em pensamentos que flutuam. É lavando louças, que ponho em ordem a minha agenda mental; é lavando louças, que converso comigo mesmo e discuto assuntos pendentes. Coloco em ordem a desordem existente entre copos em carreirinha.

Não me dê uma vassoura, dê-me uma esponja – faça-me feliz.
Quando criança não via nenhum homem ajudando nas tarefas domésticas – Era coisa de mariquinhas – diziam os machistas nos seus jogos de sinuca e carteado.

Hoje, os meus amigos, entre uma partida e outra de futebol, aspiram, lavam, dão banho em seus filhos e muitos são os chefes de suas cozinhas. Tarefa repartida, noite mais divertida.



Perco-me entre os saponáceos. Encontro-me na imagem refletida do aço lustrado. Sou egoísta nessa tarefa:

- O que você está fazendo?



- Lavando as louças...



- Mas por quê?



- Porque aqui é a minha casa, oras!

Ela achou que deveria fazer as tarefas domésticas por estar ali. Mas se eu quisesse uma doméstica, contrataria uma diarista, no mínimo. Escrava somente aquela parada em minha cozinha – branca e gelada.

Entre em minha casa e sinta-se à vontade – a casa é sua; mas não mexa na minha pia.

Estava na casa de praia de minha amiga Ascensão, conversando depois do almoço, quando percebi que ela estava indo em direção a pia. Bateu-me um desespero. Sabia que ela tinha levantado pra lavar a louça, e, eu, não teria a chance de viajar entre os copos e os pratos alheios. Imediatamente me ofereci para tal tarefa. Ganhei o dia. Surfei em ondas biodegradáveis e naveguei em barcos redondos.

Ontem, fui visitar o Marcos e a Sandra – um casal de amigos. Depois de um verdadeiro rodízio de pizza pra criançada, paramos pra conversar na cozinha. Enquanto conversávamos, Sandra lavava a louça. Eu fiquei ali olhando suas mãos sendo envolvidas pela espuma do detergente. Fiquei com água na boca. Não gosto muito de pizza, mas adoro o que vem depois – a louça.




Paulo Francisco

Um instante, por favor

Não tenho mais que alguns instantes. Nunca gostei de ter somente um instante pra qualquer coisa. Gosto de conversas longas ao telefone, por exemplo – de preferência, deitado de perna pro ar. Nada de um instante, de um minuto. Quero muito; quero tudo. Nada de um instantinho. Não! um instantinho é pra matar qualquer um. Se o instante é ínfimo, imagina um insntantinho!. Mulher fresca e homem muito educado - mas muito educado mesmo, adoram usar: Um instantinho e, para piorar, completam com um por favor. Quando ouço: Um instantinho por favor, eu quase enfarto.

Se tem pressa, não me pergunte como estou. Porque se pergunta por uma questão de educação, se arrependerá por toda sua vida. VAI OUVIR TUDO.

Não venha com abraços e tapinhas nas costas. Gosto de abraços longos que transfiram calor; que aconcheguem. Que demonstrem afeto de verdade. Tapinhas nas costas somente numa emergência de um descuido de ter engolido a azeitona no ultimo gole do drinque. Aí sim, naquele instante, vale a porrada nas costas, porque por um instante pode-se sufocar e bater as botas – e ninguém quer, mesmo que por um instante, esta experiência, não é mesmo?

Fulano saiu nesse instante! Mentira, se ele tivesse saído nesse instante, eu teria esbarrado com ele na portaria. Se ele estava neste instante, daria tempo de pegá-lo no elevador e passaria o recado que eu liguei.

Esta palavra virou desculpa pra tudo – não gosto de um instante. Gosto de muito; de fartura. O instante é demasiadamente pouco.

A palavra ESPERA dito de maneira incisiva dá uma condição de que você vai ter que esperar mesmo, aí o jeito é pegar um livro na bolsa e ler alguns capítulos, até que voltem e digam: pronto! É a sua vez.

Ouvir dela um instante significa, pelo menos, meia hora de espera, o único jeito é relaxar, afrouxar a gravata e pegar uma dose de uísque com gelo pra ficar brincando com as pedras dentro do vidro. E quando ela se apronta você tem que correr, porque a sessão de cinema não espera; as cortinas do teatro se abrirão com ou sem você.

Quando estamos conectados e, ela me manda esperar, é certo, vai ao banheiro, passa pela cozinha pra um copo d’água, uma conversa paralela com quem está lhe solicitando e, eu, ali esperando, como os guardas do palácio de Buckiingham, sem reclamar, sem piscar, sem me coçar, simplesmente, porque ela disse espera e não um instante.

Fico imóvel pelo tempo que for preciso. Pois não posso pensar nem por um instante em perdê-la.


Paulo Francisco

¨Apenas mais uma de amor¨

Hoje, eu estou naqueles dias de desejos. Naqueles dias de sentir sabores excêntricos; de experimentar algo já vivido. Hoje acordei assim, um tanto ontem; um tanto amanhã. Tem dias que a gente não sabe por que levantou. O céu continua ali estampado em azul e branco, os raios se espalham em leque e, você ainda não sabe como respirá-los.

Costumo dizer que a minha tristeza é volúvel, logo, logo, ela arruma alguma coisa pra fazer. Mas hoje eu não acordei triste. Acordei com vontades: vontade de ontem; vontade de sentir cheiros que ainda não experimentei; vontade de fechar os olhos e cair em algum lugar já conhecido, já vivido – mesmo que seja vivido em vontades.

Hoje eu acordei com vontade de você.

Acho que hoje eu queria ter a surpresa de uma carta. Uma carta perfumada, escrita à mão com letras desenhadas e que começasse assim: Meu amado Paulo... É, hoje acordei com vontade do tempo de cartas, do tempo em que a resposta demorava uma semana. Que a sensação da espera era sempre uma batalha interna. E o prazer estava no perfume do papel.

Sei lá...

Hoje eu acordei estranho, esquisitão mesmo. Ouvi músicas antigas, fiz a barba à navalha, me arrumei para ir lá fora e acabei no sofá com o livro de Fernando Pessoa.

Hoje, eu acordei com uma vontade danada de receber carta de amor.


Paulo Francisco