Momentos guardados podem ser esquecidos. Pessoas
também. Quando a olhei depois de tanto
tempo levei um susto. Perdi-me entre as nuvens carregadas que chegaram de
repente. Tinha guardado uma imagem que não mais existia. Ela tornou-se uma
fotografia apagada e corroída. Meus olhos duros - sem nenhum disfarce - procuravam
por algo que não estava mais ali. Dentro, buscava sentimentos antigos e não
encontrava. Revolvia, desesperadamente com as mãos, as paredes do coração na
certeza de sentir as cicatrizes que pensava ainda existir. Tudo apagado. A mágoa evaporara e eu não percebera. Olhava-a
como se a estivesse vendo pela primeira vez. Outra imagem surgia do escuro.
Há momentos que valem à pena ser vividos. Esse foi um
instante revelador. Curei-me sem dor. Não houve absolutamente nada – o céu não
sangrou. De repente ela não fazia mais parte de minha vida antiga. Foi um
suspiro longo de alívio e ressurreição. Mesmo percebendo de quando em vez, pelo aço da
porta à nossa frente, os seus soslaios sem importância, não deixei de sorrir. A
megera fazia parte de um passado pulverizado pelo tempo e levado pelo vento. Vida nova, personagens novas - pensei. A vida continua. O agora é o momento pra ser vivido
- continuei pensando. E seguimos, certamente, caminhos opostos numa bifurcação
além do muro.
Momentos guardados podem se transformar em tesouro. Pessoas
também. Toda vez que nos encontrávamos
era uma alegria sem fim. O céu ficava pintado de nuvens brancas e miúdas. Momentos
curtos guardados a sete chaves. Gostava de seu sorriso, de sua alegria quase
infantil, de sua vontade de viver. Paisagem de cores fortes e ao mesmo tempo de
uma delicadeza sem fim. Pessoa bonita que acariciava a minha alma e me deixava
solto, leve como a vela de uma jangada ao mar. Seguíamos abraçados sem olhar pra trás. Porque mais a frente
sempre tinha algo para se aprender. Caminhadas curtas, sem grandes
expectativas de futuro, porque o agora era o que tinha pra ser vivido.
Já se passou tanto
tempo desde o nosso primeiro encontro, e continua sendo uma festa a cada novo
encontro. E será sempre assim – música pra se dançar. E será sempre assim o
nosso encontro - claro como a paisagem de uma primavera de outubro. Porque é
etéreo o que sentimos.
Paulo Francisco