Segunda-Feira

Era certo. Quando aparecia no trabalho na terça-feira, todos sabiam que a segunda não foi de brincadeira. O homem sempre chegava de mansinho, passos curtos, a cabeça pouco mexia tamanho o seu peso, era sempre assim, as dores no corpo sinalizavam, que a segunda fora perfeita.
Raro uma terça-boa, quando isso acontecia era, sem duvida nenhuma, reflexo da inexistência da segunda.
Copos e mais copos de água deixavam-no reabilitado logo, assim, a terça não era improdutiva, cumpria com suas obrigações.
O que ninguém entendia era que a mazela de terça-feira era importantíssima para sua vida. Quando a terça passava como um dia qualquer, podia-se apostar que algo de errado estava acontecendo com ele. Um amigo, sabendo de sua rotina, ao vê-lo passar se arrastando em passos curtos e corpo duro, pergunta:
- E aí? Como foi sua segunda-sem-lei? Ele responde, sem mexer muito o corpo em frangalhos:
- Perfeita!
O camarada não bebia no final de semana, odiava compromissos de sábado e domingo e por isso, adotou a segunda–feira para se divertir, jogar conversa fora com alguns amigos, ou não. Saía do trabalho como se fosse para uma festa. Ao contrário dos outros dias, na segunda, ele estava com sua melhor roupa e mais perfumado. Na segunda, ele sabia que só encontraria profissionais da noite, pessoas que sabiam o que estavam fazendo. Não esbarrava com alcoólicos amadores de finais de semana; não encontraria casas cheias e barulhentas. Odiava mesas repletas de pessoas comemorando o aniversário de alguém. Exclamava sempre:
- Vão comemorar em casa, porra!
Se estivesse num local e ouvisse aquele coro de parabéns pra você... saía imediatamente.
Então enchia a cara no dia em que todos estavam de ressaca.
Vai entender!
Ah! Pior que ele não era o único.



(Encontrei esse texto num outro blog. Mas o lugar dele é aqui rs)

O Avesso da vida




Enquanto ela recortava as figurinhas AMAR É... eu devorava as crônicas da coluna de Léo Montenegro – o avesso da vida.  Era divertido, sacana, e por mais ficcionais ou surreais fossem aquelas histórias para muitos, mais eu ria com aquelas personagens de nomes esdrúxulos com histórias tão próximas do subúrbio carioca.

Tinha de tudo em suas crônicas. Era uma miscelânea fantástica de personagens divertidíssimas como a sogra, a mulata gostosa, o português, o malandro carioca, a dona de casa e um moleque qualquer. Ler as crônicas de Montenegro era tão bom quanto se lambuzar de manga à sombra de sua árvore no fundo do quintal. Era liberdade sem libertinagem, era sacana sem sacanagem. Foi por causa de suas crônicas diárias no jornal O Dia, que eu passei a ler jornal. E foi lendo jornal que descobri vários escritores.

Os nomes das personagens foi uma grande sacada – a história contada se transformava em ficção por mais verdadeira fosse.

Lembro-me que na sexta-série eu propus a Professora Regina que tivéssemos um caderno de redação. Ela concordou e adotou. Uma vez por semana, levava os nossos cadernos para corrigir e sempre ria com as minhas histórias e personagens esquisitos – adorava imitar o Léo, inventando nomes esquisitos para os meus personagens.

 A revista em quadrinhos também era uma paixão. Devorava todas que encontrava a minha frente. Quando chegava à página das histórias sem diálogos pegava o lápis e fazia a minha própria história dentro dos balões. Divertia-me com as onomatopeias mesmo sem saber o que fazia tinha esse nome.

Quem nunca brincou de forca? Pois é, lia bula de remédio só para achar nomes esquisitos – era muito bom enforcar os outros.

O Léo não foi o meu primeiro livro porque ele não escreveu nenhum. Mas lendo as suas crônicas acabei me interessando por outras leituras.

Qualquer hora dessas eu conto sobre as histórias das páginas amarelas de uma certa revista. Mas aí foi numa outra fase de minha vida.

Paulo Francisco

Perfume




Um dia desses acordei querendo um abraço apertado. Um abraço daqueles que gruda e enlaça a alma. Acordar enlaçado por quem te quer bem é presente de Eros.  A carência acompanhou o Sol. Passei o dia querendo um afago; um afago lento; daqueles sem tempo pra terminar. Quem não gosta de um dengo? De massagem no ego? De chamego na alma? Passei o dia querendo um cheiro no pescoço; de ouvir segredos roucos e molhados – daqueles que arrepiam o corpo e nos fazem levitar. Quem não gosta de momentos amorosos e descompromissados, desregrados, despudorados do começo ao fim?  Eu gosto.

Acordei com vontade de voar. Mas o chão era o meu limite. Tinha que trabalhar. Segui o dia na certeza da rotina diária. Mas quem disse que passaria despercebido? Até os verdadeiros miméticos são descobertos por olhos espertos.

Uma colega no trabalho:

- Vamos sair pra uma cerveja?

-Não posso. Tenho outro compromisso.

- É por isso que você veio todo arrumadinho?

Gargalhadas

- Claro que não... Essa é minha roupa de sempre...

- Barba feita, cabelo cortado...

- Que tal amanhã?

- Hummmm... Amanhã... Tudo bem!

- Combinado então!

Melhor ser amigável, ceder alguns caprichos, que criar um mal-estar. Passei a tarde sendo seguido pela indiscrição. Se até os peckhaminanos são descobertos por olhos curiosos, porque acharia que um velho e comum mamífero passaria batido por olhos rapineiros num solo descampado.

A senhora da limpeza:

- Seu Paulo, o senhor fica bem melhor sem a barba.

A moça da cozinha que vive reclamando da minha cara suja:

- Com a cara limpa é bem melhor.

Fiquei pensando no que estava acontecendo. Qual seria a minha bandeira.  Porque eu estava na berlinda.  O cabelo e a barba foram feitos ontem. E ontem ninguém comentou. 

Não estava alegre e nem triste. Estava como sempre estivera.  Com as roupas de sempre, com o mesmo perfume, com o mesmo deboche na cara.  O que saía de meus poros que fazia com que as pessoas me notassem?  O que os meus olhos estavam dizendo sem a minha autorização?  Estava eu demarcando meu território por vontades aflitas? Ou por um desejo coletivo acordamos todos com a mesma intensão? Fiquei incomodado com tantas observações. Afinal, eu sou o observador daquilo que me rodeia.  Geralmente sou a seta a procura do alvo.

Acordei com vontade e não com saudade. Saudade é lembrança guardada. Vontade é desejo a ser adquirido. Dizem que vontade é uma coisa que dá e passa. Mas vontade de amar é coisa que chega e fica. Impossível controlar. E quando a noite se revelou e a Lua iluminou o caminho, descobri que a vontade não era só minha. E no outro dia, acordei abraçando apertado, enlaçando a alma de quem queria ficar.

Hoje acordei com vontade de beijar na boca. Não... hoje acordei com saudade dos beijos seus.


Paulo Francisco

23 de agosto


ceu

À Lua

A lua está quase inteira.  Chamada nesta fase de quarto crescente.  A lua só não é poesia quando ouço alguém confundindo-a com um planeta ou estrela. Aí a poesia é guardada na cabeceira e um pouquinho de conhecimento não custa nada a ninguém.  Esclareço:

- A lua é o satélite natural da Terra.

Adoro quando alguns engolem a saliva e exclamam:

- É mesmo! Estudei isso na quinta série do colégio.

Eu não sei se a mãe está certa ou não. Mas ela só corta o cabelo na lua crescente ou cheia, nunca na minguante.  Coitados dos cabeleireiros se essa crendice fosse comprovada cientificamente.

Com relação às mares, a lua acaba recebendo erroneamente todos os créditos.   O sol tem uma boa parcela de ¨culpa¨ aos tais efeitos. A relação entre eles, ou seja, se em oposição ou conjunção teremos as marés. Mas isso é papo pra ser falado na sala de aula. Eu prefiro falar dela de outra maneira. Prefiro ouvi-la nas canções; senti-la nos poemas e vê-la em seus olhos ou simplesmente da minha janela. Quando eu nasci a lua estava em quarto minguante. Berrei para o mundo às quinze horas de um domingo quente e sem chuva. E nesse dia não teve macarrão com galinha - comida de domingo preferida quando menino.  A noite chegou num céu marinho mostrando um pedaço da lua e um montão de estrelas. No outro dia, o deus da chuva lavou a terra e os degraus para que minha mãe pudesse caminhar comigo em seus braços até a sua pequena casa.

Quando olho pra cima e vejo a lua flutuando no escuro, respiro fundo num desejo sem fim. Sempre acho que ela está lá no alto olhando, tomando conta de mim. E as vezes me sinto tão intimo seu, que começo a contar os meus segredos e desejos. Só a lua mesmo pra entender e ouvir um louco como eu.


Paulo Francisco


22 de agosto (Pressentimento)





Hoje, acordei e permaneci coberto de saudade. Não era uma saudade de tristeza. Mas também não era de alegria. Era uma sensação que de quando em vez bate e fica por um tempinho e depois se dispersa dentro do peito.  Mas hoje foi diferente, ela chegou e ficou por mais tempo em mim. Eu sempre digo que têm coisas que a gente não controla. A raiva a gente controla; a euforia a gente controla; mas a saudade é quase que impossível de se controlar.

Cecília escreveu:  De que são feitos os dias?/ De pequenos desejos/ Vagarosas saudades /Silenciosas lembranças. 

Pessoa escreveu: Eu amo tudo o que foi /Tudo o que já não é /A dor que já não me dói /A antiga e errônea fé /O ontem que a dor deixou /O que deixou alegria /Só porque foi e voou /E hoje é já outro dia.

Talvez eu tenha acordado com pequenos desejos porque hoje é um outro dia. Não sei. Não sei que sensação foi essa que acordou comigo e permaneceu por todo o meu dia.
Têm dias (e que são muitos) a saudade rasga a pele e crava a alma. É dor que acorrenta e escraviza. É dor que quer ficar.

Chico escreveu e cantou: Que saudade é o pior tormento/ É pior do que o esquecimento/ É pior do que se entrevar.

Eu sei que saudade é essa que fica guardada na penumbra do dia, que se esconde num suspiro disfarçado querendo escapar.  Eu sei que saudade é essa que o chão se desnivela querendo derrubar. Eu sei que saudade é essa que a paisagem fica num tom  acinzentando querendo enganar.

Hoje, acordei e fiquei como aquela poesia que um dia escrevi:

 Chove
- não muito
Chove intermitentemente
uma chuva fina e sem vento
Não estou com frio
Mas estou triste
Muito triste como Campos no século passado
Muito triste como Caetano em seu quarto
Chove intermitentemente
E eu, à janela, de repente esqueço-me do dia de hoje.
Porque estou me sentindo triste como Caetano e Álvaro de Campos.


Talvez essa sensação que não é saudade, que não é tristeza e tampouco euforia, seja apenas um vaticínio que sempre acontece na segunda metade de agosto.

Talvez toda essa coisa abstrata seja uma predição de como estará a minha alma daqui alguns dias. Porque sei que no dia vinte e seis estarei triste. Eu sei.

Paulo Francisco