De bar em bar

 




Para os amigos Cervejófilos

 

 

- Nem vem que não tem, bacana! Ainda continuo por aqui. Foi a resposta que dei ao Russo quando, ironicamente, perguntou-me aos berros do outro lado da calçada se estava vivo. O sumiço pandêmico criou essa expectativa. Se bem que, de vez em quando, sumo por um tempo. Sumo mesmo.

- Quanto tempo eu não te vejo... Muito tempo mesmo! Ontem, fui ao Bar do Serginho – bateu fome de sardinha e sede de cerveja. Lá encontrei, entre vários conhecidos, o Caio e o Paulo, que já estavam na saideira. Com o Caio já tinha esbarrado várias vezes no bar, mas o Paulo não. Não porque eu tenha sumido de verdade. O meu sumiço com relação ao Paulo foi temporal, ou seja, os nossos horários não batiam. Depois de ouvir a frase, respondi que não estava saindo à noite.

- Cara, você sumiu! Levei um susto com a frase chegando ao pé da minha orelha. Era o Denílson, colega de bar e ex-colega de trabalho. Ri, retruquei dizendo que ambos sumiram e marcamos uma gelada no Bar do Serginho, pra colocar o papo em dia.

Um dia desses, estava no bar da Jaqueline e ouvi uma voz na calçada, dizendo que eu não a estava reconhecendo. Cerrei os olhos, mirei na pessoa e a surpresa veio. Era a minha amiga Lúcia, com seus dois filhos indo pra casa depois de uma sessão de cinema. O encontro foi uma farra, abraços e beijos e muitos, muitos sorrisos. Coisa boa reencontrar pessoas que a gente ama de verdade.

Peguei uma carona com a Fivian, colega do trabalho. Ela me deixou num lugar diferente do meu itinerário habitual. No meio do caminho, parei num bar para pegar uma água e quando entro no estabelecimento, ouço a frase em coro: "Professor, quanto tempo!" Muitos me chamam assim. Eram Severina dona do bar e seus filhos. Nem sabia que eles estavam estabelecidos naquele bairro. Esqueci da água e matei a sede com uma cerveja estupidamente gelada.

Sabe o camarada do começo desse texto? O Russo. Pois é, acabou de me ligar, querendo saber como estou. Expliquei que a alergia atacou e que o joelho não está nada legal. A cadeira quebrou comigo e ferrei com o joelho. Coisas da vida! Adivinha onde ele estava? No bar da Jaqueline.

Antes que você venha me dizer que ando de bar em bar, respondo-lhe antecipadamente:

-  Nem vem que não tem, bacana! Ainda continuo por aqui. Com sede de cerveja e fome de sardinha.

 

 

 

Do the right thing.

 



                                                                                                                                                     Para o amigo Tuninho

Pôr a mão na massa.  Bastava um pouco de barro pra farra começar. Transformávamos em oleiros mirins, criando bonecos, animais e vários objetos por pura diversão. Gostava de esmagar com as mãos aquela massa escorregadia e brilhosa. O auge da diversão era a guerra de lama no final. Tudo destruído por uma causa maior – a alegria.

Colocar a mão na massa. Não me lembro de quem me ensinou a fazer massa de pizza, talvez tenha sido a minha mãe ou aprendi sozinho apenas observando alguém aprontando-a numa cozinha qualquer.

Como gostava de chamar os amigos para comermos uma pizza de muçarela feito por mim. Naquela época não tínhamos os fast foods. E a massa era valorizada, nada dessa coisa fina de hoje. Outras massas tornaram-se famosas na minha cozinha. Os elogios sempre vinham dos amigos.

Valorizo quem põe a mão na massa. Invejo os que têm o dom de manusear uma massa corrida por exemplo. Um dia desses resolvi reformar a minha despensa. Achei que jogar uma massa na parede e alisar com uma desempenadeira era tranquilo. Sempre observei os serventes de obra fazendo tal tarefa e não via nenhum bicho de sete cabeças. E como está na moda o tal de ¨faça você mesmo¨. Achei que poderia executá-la sozinho. Fiz uma pequena pesquisa, anotei todo o material necessário para a reforma personalizada e fui, todo orgulhoso, às compras.

Confesso que a empolgação era maior que a certeza de ser ou não capaz de executar o tal DIY, ou seja, faça você mesmo. Pensei: se não tentar com como saber.  Então mãos à obra, melhor, mão na massa.

Sabe aquela frase que quando dizemos sempre tem alguém pra retrucar? Pois bem, como estava sozinho pude dizer aos berros que nunca mais! nunca mais me meto a besta a tal tarefa. Com a mão literalmente cheia de massa, saquei o celular do bolso da bermuda e liguei para um amigo pedindo um "help". 

Não vou aqui detalhar o meu fracasso. A minha massa é outra. Quer saber: Cada macaco no seu galho! E o meu galho está por aqui.

 


Mudança

 


 Para minha irmã Claudia Lemos

Quando ela foi embora, deixou-me um vazio no peito. A dualidade brotou na minha carne. Gargalhei de alegria quando ouvi sua mensagem que estava partindo, indo em busca de mais um sonho. Sempre torci pra que isso acontecesse, porque também é um desejo meu. Mas ao mesmo tempo, o danado do egoísmo berrou aos prantos: Como assim?! Ficarei aqui sozinho, fincado nessa areia movediça?!

Chorei! Chorei de tristeza, chorei de alegria, chorei de desespero, chorei por pensar que não a terei perto de mim nos momentos de confidências, nos dias nublados em que precisávamos um do outro para assoprar pra longe as nuvens pesadas e cinzas. Éramos timões um do outro em mares revoltos. Ainda não me acostumei totalmente com a distância existente; com essa mudança newtoniana. Tudo é uma questão de tempo – eu sei! Daqui a pouco tudo se assentará.

Minha amiga foi embora, foi viver em sua pasárgada e ser amiga da rainha.

Minha amiga foi embora, foi admirar outras paisagens. trocou o verde das montanhas pelo azul marinho. Foi contar suas histórias pra mãe-d´água, sentada na areia, entre a lagoa e o mar.

Minha amiga foi embora, deixou-me um vazio no peito, mas sei que vou melhorar.

E quando ela estiver vendo o sol cair no oceano, estarei aqui, no meu egoísmo, apreciando o nascer do luar.

 



Sob a lua

 




Para Waldir e Verônica

Lá estava ela numa belezura só. A noite estava sossegada, quando ouvi uns murmurinhos vindos do quintal da casa ao lado. Saí para saber o que estava acontecendo, deparei-me com os meus vizinhos admirando o luar. Gostam de noite de lua. Eu também.

Brotando atrás da montanha, a lua parecia um cartão-postal; um convite para observá-la. Uma tela a ser admirada com paixão. Impossível não respirar profundamente com tamanha beleza.

Foi numa noite enluarada que a vi pela primeira vez. O vazio do peito, deu lugar a esperança e sonhos. Ficamos juntos por algumas luas. Sem regras, sem promessas, simplesmente ficamos sob o efeito lunar. Dizem por aí que as mulheres se tornam mais bonitas, mais atraentes, mais viris em dias de lua cheia. Será?  Hoje, somos amigos. De quando em vez nos falamos. Raramente nos vemos. Mas quando nos encontramos, independente da lua, ela está sempre linda.

Por causa da lua, por causa da minha curiosidade em relação às vozes dos meus vizinhos, lembrei-me dela o tempo todo. Gosto desse frenesi que ela me provoca. Gosto de como a lua mexe comigo. Afinal, somos setenta porcento água, não é mesmo?!

Coincidência ou não, eu a vi sentada numa das cafeterias da cidade. Por alguns segundos, olhei-a pela vidraça da loja. Não estava sozinha. Continuei o meu caminho lembrando-me da lua cheia; continuei no meu caminho com sorrisos nos olhos. Lá estava ela numa belezura só.


Sinais

 

Quando me via sozinho, era um desespero sem fim. O coração acelerava, a boca ficava sedenta e os fantasmas apareciam. Mesmo sabendo que era uma solidão temporária, não admitia, de jeito nenhum, aquele abandono. Então o choro vinha acompanhado de soluços nervosos, ora contínuos, ora intermitentes. Chorava até cansar. Adormecia numa piscina de emoções.

Os abandonos foram tantos que passei a chorar menos, a soluçar menos e a admitir a condição de criança abandonada, embora soubesse que ficar em casa era a melhor opção. Dramático?! Talvez! Mas foi a partir dessa prática que não ouvi mais a frase que homem não chora - criei uma carcaça protetora. Daí passei a chorar por dentro, a soluçar por dentro e os fantasmas apareciam com menos frequência.  Acreditei que estava recuperado daquilo que todos discriminavam. Que esconder as lágrimas fazia-me mais forte, mais homem – mesmo sendo um menino. Confesso que demorei pra entender que podia chorar, que podia soluçar. Que ser homem é demonstrar sentimentos de verdade. Que faz parte da condição humana.

A dor foi grande quando o amor partiu. Não só chorei como urrei feito um lobo solitário no alto de uma montanha numa noite fria de lua cheia. Chorei por horas, por dias, por meses, chorei alagando o mundo. Chorei querendo colo.

Dor de amor corrói o brio. Difícil de curar. E quando a dor dá lugar a solidão, torna-se nítido a sofrença guardada. Hoje, depois de muito tempo, tornei-me professor de mim mesmo.

- Não adianta, todo amor curado deixa cicatriz.