Lua tua

 

Olhar digital

Deixo a Lua pra ti. Aqui, onde estou, geralmente, perco-me com a beleza do céu. Têm noites que não me escapa nenhuma estrela.

- Paulo!!!

- Lua do caçador hoje à noite, a Lua mais próxima da Terra...melhor visão após as 23h00. Ela tá linda!

Quando li esse recado, corri para o quintal na esperança de ver e sentir o mesmo que ela. Mas não foi desta vez. Aqui, não tinha estrelas, não tinha Lua. A bruma cobria minha cabeça intensamente, escondendo a Lua de mim, não me deixando um fio de esperança em poder vê-la.

 A vida é assim mesmo. Um dia a gente ganha, no outro só nos resta a esperança. Outras Luas virão; outras Luas farão a sua, a minha, a nossa felicidade – amantes lunares, amantes celestes.

Maria, dizem os religiosos, que é na Lua cheia, a fase perfeita para fazer simpatias voltadas para o amor. Que bom que não precisamos disso. A nossa amizade é eterna.

No momento, fico por aqui, esperando uma nova Lua pra admirarmos juntos, mesmo estando do outro lado da montanha.

Como o céu permanecerá encoberto por mais alguns dias, deixo a Lua para ti.

Estio

Ao abrir os olhos, eles sorriram numa espontaneidade quase infantil. Viram a esperança de um dia de sol. Menos roupa. Mais liberdade para andar e observar o dia numa claridade azul. Não gosto de dia cinzento – entristece-me; não gosto de dia molhado – diferente dela que me disse adorar andar na chuva, molhar o corpo, mesmo que totalmente vestida. Meu corpo enrijece e teima em querer ficar na cama em dias assim. No inverno, torço pra chegada do veranico; no inverno, sonho com a primavera – ainda que não seja a estação preferida.

- Menino, vai vestir um casaco! 

Sempre que ouvia essa frase, perguntava-me: Pra quê? Vou tirar na primeira oportunidade. Moleque que brinca na rua, não sente frio, não está nem aí se o céu está cinza ou azul. O lema era brincar e brincar. E se o frio apertava, uma fogueirinha de papel e gravetos bastava para uma nova diversão.

Hoje, fecho os olhos na esperança de poder caminhar entre as cores da próxima estação.

Hoje, fecho os olhos na esperança de um amanhã de sol. Já não corro mais e nem faço fogueirinha de papel. 

Temo as nuvens escuras.

 

Sempre olhava pra cima nas tardes longas de verão, não por medo, mas na esperança das nuvens escuras ainda estarem longe dos meus olhos. Um olho na brincadeira e o outro no céu. Uma orelha nas conversas com os amigos e a outra na expectativa de meu nome rasgar o vento. Pois, quando elas chegavam era sinal de voltar pra casa. Caso contrário, meu nome ecoava por todo o bairro, sinalizando que eu estava encrencado.

É no lusco-fusco que os vampiros começam a despreguiçar. É no lusco-fusco que as luzes dos postes acendem para melhor enxergarmos o caminho de volta.

Cansei-me de Ziguezaguear por caminhos pedregosos ou lamacentos em noites frias e sem brilho. Hoje, prefiro a lucidez do dia à escuridão. Deixo-a do lado de fora de minha casa.

Temo as nuvens escuras. Não pelos os mesmos motivos de outrora, mas por saber que já se foi mais um dia.

Segredo

Faço da poesia minha arma do dia-a-dia. Quando a saudade chega rasteira, envolvo a alma com canções de amor só para intensificar a danada da dor. Masoquismo amoroso. Eu sei! Coisa minha.

Faço da lua minha companheira. Na tristeza, na alegria, ela está sempre presente. Confidente, amiga que ilumina as retinas. Que desfaz os caminhos marcados em minha pele manchada e envelhecida.

Faço das nuvens meu mar. Mergulho em sonhos numa queda quase infinita como descarga elétrica repentina. Efeito causado pelo acúmulo afetivo. Culpa minha.

Divinal

 

O outono nascera camuflado de inverno; sem o sol do meio dia, sem o brilho azulado disfarçando o ventinho frio no final da tarde. O cinza dominara o dia. A bruma cobrira as nossas cabeças e embaraçara os nossos olhos.

O dia foi contínuo, sem surpresas, sem a típica incerteza do surgimento repentino do sol, da chuva ou do vento. Coisas do nosso outono tropical.

As mantas surradas vestiram-me todo o dia, os caldos, previamente preparados, aqueceram e derreteram a minha alma faminta, o chocolate quente alegrou o tédio de uma tarde encolhida e o vinho tinto deixou a noite mais colorida.

De repente tudo mudou.

Ela chegou frenética, invadindo meu edredom, agitando a minha alma, estimulando meus músculos, arrepiando minha pele e respirando o mesmo ar. Ela chegou acesa, iluminada. Minha deusa Bhadrakali. Clarão da minha vida.

Ontem, o outono nascera camuflado. Hoje, pelo que me parece, ele será apenas outono. Não pelo clima, mas pela falta que ela me faz.