Um barulho e um susto. O pássaro bateu na vidraça e ficou paralisado de olhos abertos no chão da sacada. Olhei para ele e não sabia se o socorria ou o deixava ali parado, se recuperando da pancada. Decidi então não mexer com o coitado. De quando em quando eu virava minha cabeça em sua direção para certificar-me se o atrapalhado estava se recuperando ou não. Aparentemente sim, a sua cabecinha já se mexia de um lado para o outro, mas o corpo não. Demoraram uns vinte minutos para o danadinho se movimentar por inteiro. E de repente a liberdade – ele voou.
O seu voo me fez sorrir.
Gosto dos pássaros no céu. Afinal, eles têm asas pra isso -
para voar, e não pra ficar preso em grades de arame ou madeira, satisfazendo o
sadismo de alguns ignorantes. Odeio covardia.
Não entendo tamanha irracionalidade humana. Como também não entendi, na época, a pedrada
que levei, quando criança, por não ter deixado o moleque estressado matar o
passarinho na calçada. Cheguei a minha casa todo ensanguentado e com a testa
furada. Não sabia se estava chorando pela dor da pedrada ou por ver a minha mãe
em desespero ao avistar-me tingido de vermelho. Nunca entendi a alma daquele
moleque. Ele era mau.
Hoje, quando vi o passarinho bater com tudo na vidraça, me
achei perverso por não ter o socorrido de imediato, como a minha mãe fez comigo
no ocorrido já citado. Mas era verdadeira a minha preocupação em não querer
feri-lo mais ou deixá-lo mais assustado ainda.
Fiz o certo, como também fiz certo em defender o frágil passarinho da
maldade do menino. Pois, eles voaram
para longe do perigo.
Perigo. Palavra que me acompanhava por toda parte:
- Paulo, não aceite bala de ninguém na rua.
- Meu filho, não entre em carro de pessoas estranhas.
- Ô garoto, eu já falei pra andar próximo ao muro, nunca ao
meio-fio, você entendeu?
- Eu já não falei que não era pra você se afastar daqui.
Tudo era perigoso. Os
ciganos, os comunistas, a polícia, o exército, tudo e todos. Somente entendi a preocupação dos meus pais,
quando tive o meu filho. Nasceu em mim um medo nunca vivido.
Mas mesmo com todos os avisos, eu sempre fui moleque de rua,
de andar descalço, de fazer amizades, de correr perigo. Eu queria voar, voar alto, ser um passarinho.
Mas, os fatos que aqui narrei ensinaram-me que ter asas e poder voar é viver na
iminência de encontrar uma vidraça no meio do caminho ou ser atingido por
pedras vindas das mãos do inimigo. Porque nem todos podem ser como os
passarinhos. Não podem não.
Paulo Francisco
.jpg)
