Desenhei nuvens porque não havia sol. Chovia longe, podia vê-la enfeitando as montanhas, cortinando a paisagem verde num prata cintilante. Era assim que ela chegava até mim - numa lenta dança sensual, agitando seu véu cinza, acariciando o mundo.
Enquanto eu ficava preso em meu quarto parado à janela,
numa reflexão própria de quem está perdido, ela sem medo algum, chegava
molhando a terra, carregando sementes, criando caminhos, engolfando tudo.
Aprendi a desenhar flores ainda criança. Depois, foram as
árvores que enfeitavam a minha tela branca. Montanhas, sol, nuvens, pássaros e
caminhos sinuosos complementavam os meus pensamentos. Desisti de desenhar
paisagens ainda garoto. Troquei por algo
mais abstrato que somente eu entendia. Não conseguia desenhar a chuva. Não
conseguia acompanhar os seus traços. Ela sempre manchava a minha pintura.
Nas abstrações de meus traços, nas cores fortes e
brilhantes, na incerteza do que era belo, criei à mão livre, o meu caminho
confuso. Nunca consegui caminhar numa linha reta – sempre ficava nauseado e caía
na escuridão. Sou mais feliz e mais resistente nas paralelas sinuosas e curvilíneas.
Hoje, a minha tela se manchou com os respingos da chuva. As
cores se misturaram e formaram imagens não criadas por mim. Foram figuras que
me remeteram ao tempo de criança, onde a bruxa era a personagem central e a
megera tinha o poder de destruição.
A chuva continua. A tela já não tem mais uma imagem nítida.
Transformara-se em uma mancha escura. As cores se misturaram e a paisagem
existente escorreu para o chão.
Hoje, eu acordei com o barulho da chuva no telhado.
Permaneci em meu quarto e desejei o sol. Tentei desenhar uma paisagem
primaveril, mas a chuva a transformou num borrão.
Voltei a desenhar.
Desenhei o sol mesmo havendo chuva.
Paulo Francisco
Oi Paulo adorei seu texto.
ResponderExcluirEu também gosto muito de ficar em meu quarto vendo a chuva cai.
Beijinho.
abraços molhados Paulo
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