Abri a gaveta e levei um susto daqueles. Já não me lembrava
de tantas coisas guardadas. Sempre tive a mania de guardar aquilo que achava
ser tesouro. Mas depois de certo tempo percebia que o ouro escondido era ouro de tolo.
E, aí, ia tudo para o lixo. A vida é assim mesmo, pelo menos para mim. O que
pensava ser de suma importância - e
talvez o fosse no momento em que o guardei - não passava de lembranças fúteis,
ou ilusão de ótica de um inocente.
Antes, guardava os meus pertences em caixas de charutos.
Sim, eram objetos de extrema importância para um moleque que adorava brincar.
Bolas de gudes, figurinhas, soldados de chumbo, piões afiados e cacarecos mil.
Cresci e continuei guardando coisas. Guardava não somente os
concretos, mas os surreais e os abstratos também. Substitui a caixa de charutos
por câmaras pulsantes para guardar o invisível.
Hoje, quando abri a gaveta e descobri tantas coisas
guardadas, percebi-me um acumulador de emoções. Não sei dizer se isso é uma
patologia como daqueles que não se desfazem de nada. Mas, patológico ou não, tenho, certamente,
que me livrar daquelas que de uma maneira ou de outra não me fizeram bem.
Passei a vasculhar as
gavetas falando comigo mesmo:
- Retratos com dedicatórias amorosas são demais!
- Como pude guardar
tais blasfêmias?! Vão para o lixo!
- Bilhetinho em guardanapo... COMO ISSO VEIO PARAR NESSA
GAVETA?
Dizem por aí o que os olhos não veem o coração não sente.
Verdade. Já nem me lembrava desse tempo de amores e de ódios. Mas dizem também que o tempo cura. Outra
verdade. É impossível não cair na gargalhada com tudo isso.
Depois de uma tarde de arrumação, as gavetas ficaram livres
para acúmulos futuros. Você pode estar se perguntando agora: ¨ Como acúmulos
futuros?¨ Eu respondo. Respondo rindo, respondo des-ca-ra-da-men-te: Quero mais
que as minhas gavetas estejam sempre cheias de emoções. Mesmo que sejam de
amores impossíveis. Amores que se transformam em raivas momentâneas. O que não
quero de jeito nenhum é gaveta vazia. Coração vazio, alma amortecida. Não, não
mesmo. Quero todas as facetas, pontiagudas ou não, de um amor.
Às vezes, sou obrigado a guardá-los na gaveta. Guardo antes
mesmo de começar. São amores impossíveis; amores bandidos. Amores difíceis de
começar. Tem um, em particular, que
estou quase o transportando de mim para a gaveta. E mesmo guardado, ainda sim, tenho medo dele. Porque não sei o que será.
Paulo Francisco