Nesses dias de feriado grande, de descompensação cronológica,
de não ter que fazer nada, fico totalmente desorientado. Um jat lag emocional.
Enquanto os insetos rodeiam a lâmpada, eu tento identificá-los como passatempo
noturno. Divirto-me com as porradas dadas na parede pelos desengonçados
coleópteros. As pálidas bruxas se espalham num balé frenético e suicida – há no
ambiente uma lagartixa namorando o seu banquete. Concomitante a orgia entomológica, há lá fora
uma euforia juvenil quebrando o meu silêncio interno e noturno.
Cansado das dezenas teorias de conspirações, milhares de zumbis,
vampiras e vampiros com cara de porcelana, lobos estilizados e mutilações
absurdas, a televisão é desligada e a estante vasculhada. Sempre há palavras para serem colhidas. Levo
pra cama as poesias amorosas de Affonso Romano de Sant´Anna. Perco-me num
labirinto de palavras e pensamentos. O dia chega e os meus olhos se fecham
lentamente.
A campanhinha do telefone interrompe o sonho. Acordo para mais um dia. Uma caneca de café esfumaçante
ajuda a abrir a agenda mental. Descubro que terei que caminhar entre as
gôndolas do mercado em busca do básico – a despensa está vazia. Tento adiar o incomodo inventando outras
tarefas, mas não por muito tempo.
Não gosto dos alimentos embalados com a cor azul. Prefiro os
amarelos e vermelhos. Passeio pelos produtos orgânicos como um turista em
museus estrangeiros. Ando comendo menos
com medo da grande quantidade de venenos e hormônios usados nos alimentos.
Torna-se cara a consciência. Nada de transgênico, nada de hormônios, nada de
corante. É quase impossível ser saudável nesse mundo tão rico e tão miserável
ao mesmo tempo.
Quando vi uma senhora revirar o lixo da rua, catando latas e
outros objetos existentes, deu-me um nó na garganta. A miserabilidade caminha
ao nosso lado e fingimos não vê-la por medo ou por conveniência, não sei. Ela não era, com certeza, uma artesã
excêntrica, recolhendo recicláveis para criar obras de arte. As chamadas artes sustentáveis de artistas do
mundo inteiro expostas em galerias famosas e que são admiradas por uns poucos
favorecidos. Não, não mesmo, ela era uma catadora de centavos para completar a
¨renda ¨ da família. E, ainda assim, a
outra Senhora faz questão de mostrar poder com suas vestimentas compradas parceladas
no cartão. Tão miserável de espírito quanto aqueles que não têm o que comer. Tenta
disfarçar a sua pobreza de espírito camuflando sua pele de bruxa.
Nesses dias de feriado grande, de ociosidade premiada, de
compromissos guardados, torno-me mais racional. Mesmo no Carnaval.
Paulo Francisco