Egoísmo

 

Hoje bateu uma carência daquelas. Corpo colado na cama, olhos querendo fechar num sono sem fim. Desejei um abraço apertado e demorado, um cheiro no pescoço e na orelha, um colo quente e macio.

Hoje, desejei tanto, mas tanto, ter alguém perto de mim. Alguém que coçasse a minha cabeça; que olhasse para mim e adivinhasse os meus pensamentos; que não criticasse a minha preguiça e muito menos o meu silêncio.

Hoje, acordei em sintonia com o tempo: cinza, chuvoso e preguiçoso. Acordei querendo colo, querendo você.

Hoje, acordei assim: um tanto quanto egoísta.

Outono


 


O sol nasceu morno. É sempre assim no outono. Ele vai aquecendo aos poucos até o meio do dia, quando a pele sente a ardência de seu poder. Apesar de todos os meus pesares, o outono é a estação que mais curto. Gosto de sentir a refrescância motivada pelo vento gelado em minha cara; da surpresa da noite estrelada; da lua espelhada nas vidraças; da manta cobrindo o meu colo e de uma fumegante caneca com chocolate em noites mais frias. Gosto da incerteza e das surpresas da estação - na mochila, sempre há um abrigo. 

Ontem, finalizei o dia admirando, da minha varanda, a lua crescente entre nuvens, parecendo brincar de se esconder de mim. 

Quando moleque, em noites frias uma pequena fogueira era providenciada em frente à casa de um de nós, para ficarmos sentados ao seu redor num bate papo sem fim - podíamos ficar a céu aberto enfeitado por estrelas, sem medo. Aliás, o medo só acontecia quando um adulto aparecia e contava alguma história de bruxas, fantasmas e correntes. Eram inevitáveis os olhos arregalados, a respiração silenciosa e o coração acelerado. Alívio, somente quando o grito materno chegava aos nossos ouvidos pedindo para entrarmos. Bendito o cobertor que servia não somente para nos aquecer, mas para nos proteger das personagens da história ouvida. 

Hoje, o sol demorou para aparecer. Culpa de uma cerração baixa. Lembrei-me da máxima:  névoa baixa, sol que racha. Dito e certo. O sol chegou, chegando. Percebi, caminhando nas calçadas do centro, homens e mulheres com casacos pendurados nos braços. Tem gente que não aprende, ou nunca ouviu o dito popular. Mas quando a noite invadiu o dia, a lua surgiu, a temperatura caiu, o vento veio manso e como ainda estava na rua, tirei meu abrigo da mochila, entrei numa cantina, pedi um caldo e uma caneca de vinho. Quando dei por mim, estava sentado ao redor de uma mesa, numa conversa sem fim, com pessoas que nunca vi. 

Agora, sentado em minha varanda, termino esse texto, namorando a lua.

 

 


Reflexo

 

No fundo do aço, a carranca se desfazia. Não adianta. Ficar puto por muito tempo só vai trazer mal estar, dores no corpo, cara feia e certamente alguém que não tem nada a ver com o meu mau humor vai ser atingido. Se não estou satisfeito, fico calado, fico em casa, fico na minha. Então, não venha tentar me distrair, porque não vai adiantar. Sabe aquela placa de mantenha distância, animal feroz! Pois é, acendo o letreiro e fico em meu canto. Gosto do meu silêncio, do anil tingindo o céu, do tentar colorir as lembranças quase apagadas. O dia passa, a noite vem, e é na madrugada que tudo acontece. O vazio, a calmaria e a certeza de um outro dia acabam restabelecendo o meu humor. O estado de ¨putez¨ vai embora, some quando a noite pari o dia. 

Ontem foi um dia assim. A carranca colou na minha cara e, possivelmente, assustou muita gente. Não consigo disfarçar por muito tempo quando estou chateado ou decepcionado com algo ou com alguém. E para piorar, o dia estava leitoso e frio e o horizonte estava opaco, impedindo a fantasia de um tempo bom. Nada de música, nada de filme, nada de nada. Simplesmente meu quarto, minha penumbra, minha respiração. Em pouco tempo, o corpo sossega, a mente adormece e tudo fica para trás. 

Hoje, quando acordei, o dia ainda estava cinza. O celular tocou. Era valeria mandando-me uma poesia. É sempre assim. O seu texto sempre me deixa feliz. Repeti, por várias vezes, a última frase de sua poesia: ¨Pessoas são palavras ecoando o divino. ¨ 

Quando dei por mim, voltei a aparecer no fundo do aço.

Sobre amigos

 


A escuridão desintegrou-se com o brilho de sua chegada. Era sempre assim. Bastava aparecer com seu sorriso grande, com a sua fala mansa, com seus olhos de gata que o cansaço sumia e a alegria tomava conta. Tem gente que irradia felicidade. Poderia citar algumas pessoas com essa qualidade rara. Como não quero ser injusto com aquelas-que também amo- mas que não se enquadram nessa categoria humana tão fantástica, não darei nome a nenhuma delas.

A liberdade que tínhamos um com o outro era tanta que nos restava rir, gargalhar até mesmo nos nossos fracassos. Com ela, o lema era levantar a poeira e dá a volta por cima, como já dizia a música de Vanzolini. Mulher retada, que vai em frente, segue seus objetivos até alcançá-los. Já está se preparando para ir a Brasília no segundo semestre. Conversando sobre a situação atual que nos encontramos ela me sai com a seguinte frase: ¨Vamos pra posse?! ¨ Cai na gargalhada.

Tem gente que sabe nos fazer bem. Toda vez que passo por ela, os nossos sorrisos se chocam. Incrível a sua capacidade de me fazer sorrir, até mesmo nos meus piores momentos. O mais engraçado que não tinha percebido essa condição emocional, até que depois de muito tempo, mas muito tempo mesmo, ela me parou e disse já sorrindo: ¨- Paulo, porque você está sempre sorrindo? ¨ Respondi com mais sorriso e disse que sempre que a via, voltava no tempo da escola que erámos só felicidade. Caíamos na gargalhada.

Tem gente que faz os meus olhos brilharem. É certeza de leveza, de tranquilidade, de vontade de ficar junto; que o papo vai ser bom, e que a despedida vai ser adiada até o último segundo.

Sabe aquela pessoa que não precisa estar o tempo todo com você, mas quando está perto parece que nunca se distanciou. Pois é, somos assim. Chamo isso de amizade e respeito. É certo de abraços apertados, beijos demorados e sorriso de querer bem. Amizade fraterna, amizade que torce, amizade pra todo o sempre. Independentemente de estar juntos ou não.

Ontem, a escuridão desintegrou-se com a sua chegada. Sabe, tenho que deixar de ser reclamão. Tem gente muito boa ao meu redor.

- Não é mesmo!?

 

 

 

Equilíbrio

 


Ao contrário de outros finais de tarde, a chuva chegara delicada, trazendo consigo um ventinho gelado de deixar arrepiados os nossos corpos quentes – certeza de uma noite calma e sem insônia. Quem me dera essa calmaria fosse diária. Noite de lua; de pensamentos longínquos, e de música suave no ar – coisa minha.

Às vezes, só às vezes, fico na inércia – o mundo pode vir abaixo que não estou nem aí. Aprendi a duras penas que a melhor resposta para determinada situação é o silêncio. É fazer ouvidos moucos. O mundo está muito doido para dar crédito as insanidades individuais. Tenho o cantar dos pássaros, as algazarras das maritacas, o uivo do vento, as madrugadas raiadas pela luz da lua e perfumadas pela dama da noite e, tenho também, a minha própria insanidade. Então, deixo a demência alheia para quem a aprecia – não faço questão nem quero participar de outros manicômios. O meu nicho está em outro habitat.  Não venha provocar-me com vara curta, a velha onça, ultimamente, está tranquila, mansa e de barriga cheia.

Ela, aparentemente afoita, manda-me uma mensagem de voz questionando a minha ausência. Ela, ainda não entende que o meu tempo não é definido por ponteiros, horas marcadas, e muito menos por juras e promessas. Não há juras, não há promessas, há verdade, sinceridade, confiança mútua. Então respondi, no meu tempo, que estava no meu canto, sozinho, contemplando o horizonte. Acho que não entendeu. Mas quem entenderia? A loucura é personalizada. Basta observar os psiquiatras.

Às vezes, só às vezes, abro algumas exceções. Tento enfrentar as minhas fobias - que são muitas. Valéria, minha preta do coração, mandou-me um recado dizendo que estava com saudade. Não respondi. Não precisava. Ela sabe que é minha irmã de alma, e que a saudade é recíproca. Mas por enquanto, vou ficando por aqui falando com os marcianos.

Ao contrário de outros dias, preparo uma caneca de chá de hortelã – dica da Carol e sachê doado pela Claudia – na esperança de uma homeostasia do corpo e da alma.  Sim, às vezes, só às vezes, fico livre da cafeína, do tanino e da cevada. Gosto de quebrar a rotina com o inusitado. Hoje, dormirei embalado pela rede – presente vindo do nordeste.