Eu descia tão distraído à rua que não a vi me esperando com seu
jeito de menina do outro lado da pista. Levei um susto de alegria ao vê-la. Dois
anos, três anos, nem sei mais. Fazia tanto tempo e continuava com o mesmo
sorriso tranquilo nos olhos. Perguntei o que estava fazendo por ali e ela me
respondeu que estava levando um exame ao seu médico. Tinha se casado e estava
fazendo tratamento para engravidar. Sorri com o fato de ter se casado. Era o que mais desejava – eu me lembro de
como queria ser esposa e mãe. Um pedaço de seu desejo tinha se concretizado e o
outro estava num envelope em suas mãos. Conversamos mais um pouco e nos
despedimos com um abraço forte e demorado. Não foi preciso olhar para trás. Guardei o seu
telefone no bolso.
Segui o meu caminho com sorriso nos lábios. Gosto de
encontrar com amigos e saber que estão felizes. Ela estava feliz e esperançosa.
Eu? Bem... eu continuo caminhando e fazendo novos amigos por aí. Sigo em frente olhando para os lados. Ainda há
esperança em meus olhos.
Alguns minutos depois desse encontro casual cheguei ao meu
encontro marcado. Não era um encontro de amor, era um encontro de dor. Ele
chorava como uma criança. Chorava o mundo. Chorava em desespero espalhado. Meu
amigo tinha acabado de se separar. Tinha em suas mãos a desesperança em uma
mala. Tinha em seus olhos o desespero de um menino que perdera o jogo de
futebol no último minuto – não tinha volta. Ele estava perdido - eu sabia o que
ele sentia. E por saber daquele sentimento fiquei aflito. Tornei-me propositadamente
passivo e o ouvi, ouvi e ouvi, ouvi com
os ouvidos da experiência. Ele não parava de falar e eu passivamente concordava
com a cabeça e mais nada. Não tinha o que fazer naquela hora sombria. Permaneci
neutro, ouvindo, ouvindo o homem xingar, chutar, esmurrar o vento, lavar o
chão. Permaneci sentado assistindo a um flash-back em 3D.
Quando a ordem se estabeleceu, eu simplesmente lhe disse:
- Camarada, é a quarta separação da sua vida.
E ele me responde:
- Mas esta é a primeira vez que a separação não veio de mim.
Pensei em dizer-lhe ¨
Então agora você vai saber o que as outras sentiram, seu babaca ¨, mas me
limitei em dizer:
- Sempre tem uma primeira vez.
Depois de tudo calmo, voltei pra casa olhando para os lados a
procura de fantasmas. Não gosto de saber
da infelicidade do outro. Prefiro ser solidário em sua alegria. A felicidade não me incomoda, a tristeza sim.
A felicidade do outro é volátil em mim, enquanto a tristeza gruda em minha
alma. Torno-me triste por solidariedade. Uso preto e fico de luto. Torno-me
carpideira de calças e choro até a última camada de terra.
Talvez seja por isso que pouco divido as
minhas dores e as minhas tristezas. Prefiro espalhar alegria.
Já estava pronto para dormir quando o telefone toca. Estava
esgotado com tudo que aconteceu durante o dia. Ouvi, simplesmente ouvi, não queria
conversar, não queria ser indelicado, mas acabei sendo. Uma terceira pessoa no
mesmo dia eu não aguentaria. Meu corpo é
fraco, minha alma já tinha inquilino. Hoje não, hoje não! – pensei em desespero. A ligação foi
interrompida, o sinal ficou ocupado e os fantasmas dançaram de felicidade em
meu quarto.
Demorei mas aprendi. Não me telefone no meio da noite pra
falar de sua desgraça. Ligue para me fazer rir. Quero voltar a dormir com sorriso nos lábios e
não com o cenho franzido.
Se eu moro sozinho, eu escolho as minhas companhias.
Paulo Francisco