Eu não tinha certeza da vida. Não sabia o que viria no amanhã,
tentava esquecer o ontem e lutava contra o hoje. O que tinha feito pra viver
daquele jeito, não sabia e se sabia, não queria pensar nem tampouco voltar
atrás de uma decisão que achava certa. Eu tinha a idade da
teimosia.
Minha vida era comum, como a vida de qualquer outra pessoa naquele
meio – eu era só mais um diante do cinza. Mas tinha fome, tinha sede, tinha medo
e os outros não. Não entendia. Gritava pra Deus como se Ele fosse
culpado da mazela invadida – a culpa não era Dele, era somente
minha.
O menino parou-me quando estava pra entrar no mercado pra comprar
vinhos.
- Moço, paga um salgadinho?
- Pode ser um biscoito?
- O senhor compra também um iogurte?
- Claro!
Qual?
O moleque entrou conosco (Valéria Soares estava comigo) e escolheu
o biscoito e o iogurte sabor morango.
O menino não estava com fome de comida, ele estava com fome daquilo
que não podia ter no seu dia-a-dia.
Ao sair do mercado, ele esperava ansioso. Com ele, estava outro
moleque; pareciam irmãos. Repartiriam, com certeza, o desejo
adquirido.
Eu andava pelo Centro do Rio e tremia quando meus olhos invadiam
aqueles pratos expostos na mesa de quem podia comê-los. Eu tinha fome e ninguém
sabia.
O vendedor de flores que caminhava na madrugada de restaurante em
restaurante, sempre parava na minha mesa:
- Moço, uma rosa pra namorada?
Olhava pra minha mulher e sorria:
- Tudo bem, eu quero essa!
A rosa ficava ali em nossa companhia e seguia conosco até a nossa
cama.
Quando percebeu que eu não tinha o que comer, o camarada passou a
dar-me a sua comida, e comer na rua, com a desculpa de que não gostava muito do
que tinha ali, e preferia um hambúrguer com refrigerante. Ele alimentava o meu
orgulho faminto. Ele sabia que a minha fome era por teimosia de um moleque
bicudo que não queria voltar pra casa – Eu fugira de todos e de tudo. Rebeldia
necessária como lição de vida.
Anos depois, eu caminhava em São Cristóvão, indo trabalhar, quando
escuto uma buzina. Era ele, em seu carro:
- Lembra de mim?
- Como eu poderia te esquecer!
- O que faz por aqui, camarada?
- Trabalho aqui, eu faço ...
- Bacana!
- Sempre me lembro daqueles dias...
- Eu também!
O sinal abriu, ele partiu sorrindo e, eu, ali paralisado, não disse
a ele: obrigado.
Eu não tenho certeza da vida. Não sei o que virá amanhã, tento
lembrar-me do ontem e vivo o hoje na intensidade permitida. O que fiz pra viver
desse jeito? Talvez tenha sido o orvalho em minha cabeça nas noites frias, a dor
na sola de meus pés em caminhos pedregosos, a acidez na garganta de um estômago
vazio, a cegueira temporária numa adolescência agitada, as pernas paralisadas de
um medo existente. Ou talvez tenham sido as mãos amigas por aí afora ou, quem
sabe, tudo isto junto e um pouquinho mais.
Minha vida é comum como a de qualquer mortal e tenho ainda a fome,
a sede e o medo. Tenho a fome de vida, a sede de amar e o medo de não
conseguir.
Hoje falo com Ele, com a certeza de uma vida vivida – Só com Deus
eu falo, nunca com o diabo... Por mais que ele insista.
Paulo Francisco
Paulo Francisco
Paulo, fome de vida, a sede de amar, são duas coisas muito importantes!!Basta você querer,que tudo acontece:O medo você descarta...
ResponderExcluirBoa noite.