Andava pelo meio-fio num
equilíbrio invisível entre o limite da calçada e a rua de paralelepípedo. O
vento, fabricado pelos carros velozes, empurrava meu corpo e meus pensamentos
em todas as direções. Éramos leves. Com os meus braços abertos, equilibrava-me
como um trapezista no arame sem a rede de proteção em busca de emoções. Viajava
em silêncio num mundo circense.
Gostava de inventar. Inventava e acreditava piamente no que
inventava. Eu era um moleque ¨inventador¨ de histórias. Muitos não acreditavam
nelas, as chamavam de mentiras. Fazer o quê? Se eles não tinham a alma leve e
os seus olhos não alcançavam além de seus cílios. Os meus pinçavam nuvens,
abanavam o vento.
Acordei numa manhã de domingo
acreditando que estava apaixonado pela menina mais bonita da escola. Invenção que durou todo o ano letivo em
bilhetes apaixonados e anônimos jogados, na hora do intervalo, em sua pasta cor
de rosa. Mas quando chegaram as férias a paixão passou a ser outra. Não tinha
tempo para bilhetes e esperanças. Minhas mãos não mais desenhavam corações,
elas construíam ilusões em varetas de bambu e papel de seda. Tomava banho de sol em lajes alheias e em campos
de futebol.
Talvez, eu tenha te inventado num
final de tarde de verão, ou talvez, você se tenha inventado para mim num final
de noite fria no mês de abril. Mas agora, nada disso importa, pois, nessa
história inventada, a verdade se perpetuou às dezoito horas de um agosto
agitado e quente. Voltaria a ser criança em brincadeiras e histórias
inventadas.
Queria ser um moleque mergulhador,
daqueles que andam com armaduras no fundo do mar. Pouco depois, troquei de
ambiente, tirando o pesado escafandro dourado por um capacete supostamente mais
leve - transformei-me num astronauta solitário, um feliz habitante lunar,
um andarilho gravitacional. Acho que parei ali, na lua, e nunca mais voltei de
lá. Sou de lua, sou da lua, aluado e
apaixonado pelo universo além do infinito. Sou companheiro de São Jorge e caço estrelas.
Escolhi, num dia de céu marinho e
de lua cortada, uma estrela e a batizei com o nome dela. Estrela companheira, estrela minha.
Hoje, quando a saudade aperta até sufocar, inclino
minha cabeça para trás, procurando-a no infinito azul, e quando a encontro, eu
respiro longamente pelos meus olhos chorosos. Sou assim: um ¨inventador¨ de técnicas que aliviam as dores da saudade que porventura surgem por
aqui. Saudade dói. Saudade é triste. Saudade mata, definha, maltrata, alucina.
Saudade que traz felicidade, não é saudade, é lembrança. Ela chega é vai embora
como a neblina matinal.
Quando ela vem me visitar
escondida, meio gata, meio brisa, sem dizer-me um nada sequer, eu a pressinto na
pele. Meu coração sempre dispara quando
algo está pra acontecer. Ele sempre acelera à sua presença. Mesmo que somente
em meus pensamentos.
Ontem, voltei a ser um
equilibrista sem sombrinha, um equilibrista de meios-fios de ruas pavimentadas
por paralelepípedos ásperos e chorosos.
Equilibrei-me diante da vida. Fui para um lado, fui para o outro. Caminhei num vai e vem invisível, num vai e vem
cadenciado por uma brisa morna e sedutora.
Ontem, voltei a ser um inventor de coisas improváveis.
Inventei uma maneira de desconstruir coisas de pouco valor em poeira cósmica. Ontem, inventei de ser mágico. Só os mágicos
desaparecem com coisas impossíveis.
Paulo Francisco
Você está triste? Fica não, isso passa!Mas dói muito!
ResponderExcluirEu ando assim como você!
Lindo seu texto,como sempre!
Quem sabe você hoje tem um lindo sonho.Que os anjos te proteja.
Beijinhos.
Que bonito isso Paulo
ResponderExcluirum inventador de histórias romântico que carrega nesses cílios muitas paixões .
Obrigada por escrever 'além dos meus cílios' que considerei como presente de aniversário...é bom demais seus devaneios , são presentes!!
um abraço 'meio gata meio brisa'
rs