Na primavera os rios correm felizes. Disse a frase olhando para um pequeno rio enfeitado por pétalas coloridas. A água seguia num fluxo cadenciado, fazendo dos gravetos e rochas os seus instrumentos musicais. O riachinho acompanhava o canto macio da mata, carregando folhas e pétalas coloridas que dançavam na sua superfície, enquanto que meus olhos brilhavam no reflexo da lâmina d´água.
Fiquei ali parado, ouvindo,
tentando me integrar aquela diversidade de imagens e sons. Deixando o vento levar o meu cheiro. Aceitando de
olhos fechados, os vários cheiros que chegavam as minhas narinas. Ainda de olhos fechados tentava reconhecer aquela mistura da natureza, mas quase não conseguia, pois o meu coração estava acelerado e
a minha respiração estava intensa – ainda continuava com a cadência urbana, não
tinha me despido por completo da poluição de todos os dias.
Mais tarde segui a trilha acidentada identificando
o passado: Os meus olhos seguiam o voo do capitão do mato com o seu azul
brilhante e de outros lepidópteros não menos brilhantes; Eu tentava identificar
os pássaros nas copas das árvores, meus olhos tentavam encontrar o inesperado,
algo que transformasse o meu passeio num dia inesquecível. Ainda não tinha me
dado conta que o passeio já era uma transformação, algo que eu não esqueceria e
que meus olhos clicavam para dentro da minha alma.
Segui em frente. Sabia onde eu
queria chegar. Já tinha traçado o meu caminho e, talvez por isso, a sensação enganosa
do óbvio me entristecia. Mas não era bem assim. A cada passo, a cada movimento,
uma paisagem viva enfeitava meus olhos e alegrava a minha alma. Eu estava
enganado. Tudo era lindamente grande – um espetáculo único.
As teias de aranha rendavam
algumas árvores e as folhas devoradas por hexápodes as transformavam em únicas
com suas nervuras expostas. A arte natural criada por seres complexos e
estranhos. O feio também tem mãos mágicas.
As formigas, o cupinzeiro, as vespas
negras, os pequenos lagartos, as epífitas e seus inquilinos, o âmbar escorrido
do caule, os cipós trançados, os cogumelos nos troncos apodrecidos, os raios de
sol invadindo a tramas das copas das grandes árvores e chegando ao solo em tons
suaves, faziam desse meu passeio, quase descompromissado, numa verdadeira obra
de arte.
Meus passos estavam lentos, meus olhos
e ouvidos estavam mais aguçados. O bicho-pau
estava lá entre os gravetos secos e a enorme esperança se confundia com as
nervuras das folhas verdes. Entre a trama dos galhos, pequenos olhinhos
castanhos me acompanhavam à distância – eram Micos curiosos, talvez mais de uma
família - Já não estava mais sozinho em meu caminho.
Continuei no meu rumo traçado.
Cheguei ao topo da montanha. Encontrei o inesperado. Olhei para o horizonte e
vi a certeza da existência, a dualidade da vida desenhada numa tela gigante e
abstrata.
Deus jogou as tintas e deixou que elas
escorressem livremente por essa tela chamada mundo.
Paulo Francisco
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