Estava atrasado. Estava muito atrasado. Acordei e nem pude
ter a minha preguiça matutina de rolar de um lado pro outro – num susto, já
estava pronto e ligando pra Mônica para informar que estava chegando. Mentira!
Mas ela já sabe que sou o maior mentiroso pela manhã. Acho que não vou
acostumar-me nunca em acordar cedo. Mas o que fazer quando tem gente a nossa
espera? Irmos.
Lá fui eu em passos ligeiros, pelo caminho de sempre, quando
me deparo com um casal de jandaias. Pensei: Perdão querida Mônica, eu não sei a
que horas chegarei.
Apanhei a máquina na mochila e comecei a fotografar o
colorido casal.
Gosto das oportunidades que a natureza me oferece. Na minha
última viagem, que não foi há muito tempo, aproveitei pra fotografar gente e o
que tinha ao meu redor – flores e muito verde.
Quando cheguei, atrasadíssimo, todos estavam me esperando, mas,
acreditando na possibilidade de eu não chegar a tempo. Mas cheguei. Aprendi
que uma vez atrasado, atrasado e meio.
Não disse o porquê do meu atraso – não era preciso.
Quando o fotógrafo chegava para tirar as fotos de minhas
irmãs eu ficava puto. E, não escondia a minha insatisfação com a tamanha
desconsideração com a minha pessoa. ¨ Pô!, qualé bacana! Eu também sou filho de
Deus!¨ Pensava irritado com tudo aquilo. Não entendia que as fotos tinham que ser delas e não de um
moleque cascorento cheio de machucados nas pernas, braços e, de quando em
quando, com um esparadrapo escondendo algum tipo de corte na testa.
Eram fotos de meninas
bonitas para a sua coleção – um tipo de apresentação (book) de seu trabalho. E
as minhas irmãs eram lindas e incrivelmente opostas: uma loira de olhos azuis e
a outra morena de olhos amendoados. Umas graças de criaturinhas que eu judiava
de segunda a domingo. Uma judiação de irmão-capeta que gostava de vê-las
chorando e assustadas. Atazanava os juízos delas e de minha mãe. Coitadas!
Não me dava por vencido, a cada foto tirada, uma travessura
minha. Catava os galhos secos, pedaços de qualquer coisa que pudesse sujar o
plano de fundo da imagem. Quando o camarada percebia, já era tarde - depois do
clique, um Paulinho, lá longe, fazendo caretas, carregando um objeto estranho
qualquer. Eu era odiado, e com muito gosto, fazia tudo para atrapalhar o tal
ensaio.
Minha mãe, coitada, ficava doida pra me pegar, mas, eu
corria mais que todos eles. Estava sempre com um olho no padre e outro na
missa. Só me sossegava quando resolviam, depois de muito relutarem, tirar
algumas fotos minhas, mesmo machucado e revoltado. * ¨ Pouco me importa. Pouco
me importa o que? Não sei: pouco me importa.¨ - Era
assim que eu me sentia.
Hoje, ando com a minha máquina na mochila e estou sempre
clicando algo. Registro tudo. Adoro alguns flagrantes humanos e de coisas
estranhas. A galera do trabalho que não gosta muito, mas como tenho que
entregar no final do ano um clipe com o povo todo em plena atividade, não perco
a oportunidade de me divertir.
Como as pessoas têm medo que registrem o seu lado mais
secreto – uma fotografia é um plano, somente um plano de sua existência.
Quando as cópias das fotos chegavam, naqueles objetos
estranhos, chamados monóculos, todos nós ficávamos a admirar as imagens de
minhas irmãs, sempre, sempre arrumadinhas de cabelos cacheados e vestidos
novos. De vez em quando, eu surgia numa foto junto delas – mas já era o
bastante pra me deixar feliz. Pois bem, o que eu queria mesmo era sair na foto.
Hoje eu acordei atrasado, e por causa desse atraso, voltei
ao tempo de criança quando nunca perdia o tempo do clique do fotógrafo.
Coitado!
*Alberto Caeiro
Paulo Francisco
Querido Paulo deixou-me confusa...o texto é seu, não é verdade? Aliás um texto testemunho de acções e emoções, por que aparece o nome de um dos heterónimos de Fernando Pessoa?
ResponderExcluirAbracinho meu!
Teresa, coloquei agora em destaque a frase que roubei do Fernando Pessoa.
ResponderExcluirUm beijo