Os urubus planavam pacientemente nas correntes termais. Gritávamos:"Urubu vai chover?" E eles respondiam que sim com o bater das asas. Corríamos para o chão batido e com caco de telha desenhávamos o mais belo Sol, com face, olhos e sorriso.
Acreditávamos, piamente, que o nosso Sol desmancharia a certeza dos urubus. Gritávamos novamente:"Urubu vai chover?" E os danados em pleno voo aquecido, em total economia de energia, tornavam-se preguiçosos e não batiam as suas asas – passeavam absolutos no céu. Motivo para euforia. Gritávamos como índios em volta da fogueira em dia de festa.
Éramos crianças. Vivíamos num mundo de faz-de-conta e tínhamos a certeza de que tudo era verdade. Acreditávamos em fantasmas, bruxas e duendes.
Cresci acreditando que jogar pão fora era pecado. Até hoje, não consigo tal ato. Depois, descobri que o pecado não nos levaria ao inferno e, sim, à desvalorização da vida.
Custei pra entender, chinelo virado não faz ninguém morrer, e cortar o rabo da lagartixa, mesmo sem querer, não fará sua mãe ser praguejada pela cotó.
Atirei muito o pau no gato. Morria de sede toda vez que ia ao tororó e, possivelmente, revoltado deixava a morena sempre por lá. E a todas as frutas preferia salada mista.
Cresci e não mais corri dos ciganos, pelo contrário, fui seduzido pelas suas sedas e cores. Tive a certeza de que o Gentileza não era Cristo e muito menos Profeta. Comunista não comia criancinhas. Que o padre não tinha mulher se não quisesse. A beata não é mulher de Cristo e sim uma adoradora. Que o trem azul era menos que o prateado. Que entre todas as zonas: sul, norte e oeste, tinha aquela que não estava no mapa.
Não pergunto mais para os urubus, em correntes termais ou não, se vai chover. Agora eles têm outro significado: são importantes e fazem parte da natureza.
Cresci...
Mas quando vou para o mar, ainda acredito que uma daquelas gaivotas, tem em seu bico uma mensagem sua.
Fazer o quê se não cresci de todo?
Paulo Francisco
Ah, os finais dos seus textos, adoro, adoro.
ResponderExcluirAinda bem que a gente não cresce de todo, e tem sempre um quê de magia, de encanto, de espera, de luz nos olhos.
Eu pensei que o final seria a espera do canto da sereia.
beijo marinho.
Até hoje fico de cenho franzido ao me deparar com um chinelo virado. Mas da lagartixa, sabia não.
ResponderExcluirCiganos são fascinantes.
E os seus textos também os são.
Bom sábado, rapaz.
Abraços!