Ela



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Para o meu bem querer

Estava tão distraído que não percebi sua chegada. Quando dei por mim, seus braços e pernas estavam enroscados no meu corpo. Tarde morna de pouca luz e pensamentos cinzas. Chegou na hora certa. Salvou-me da tristeza que estava por vir. Esqueci tudo e recebi seu carinho como um menino acalentado por quem o ama. Não disse nada, simplesmente aqueceu meu corpo com o seu. Sabia que naquele instante o silêncio pertencia-me e era necessário como o vento ao mundo. Deixou-me quieto na particularidade da minha mansidão. Éramos poesia em construção. Paisagem a ser colorida.

Os meus olhos sorriram quando perceberam sua presença num sono tranquilo. A noite estampada de estrelas, decorava a janela. A penumbra guiou-me para fora do quarto. Não queria acordá-la. Torcia para que estivesse sonhando comigo - Exagero de quem estava com fome de amor.

Estava tão bonita que não parei de olhá-la. Fiquei de longe, de soslaio, sem dar bandeira. De quando em vez, encarava-a por alguns segundos. Éramos dois estranhos naquele ambiente de gente conhecida. Na claridade, éramos invisíveis. Revelávamo-nos somente com o aparecimento da lua – nosso instante era crepuscular. Ficamos nessa condição por muito tempo. Hoje, tudo mudou, somos dia, somos noite, somos todos os dias se quisermos. Mas ainda assim, preferimos a lua e a invisibilidade. Liberdade pra poucos. Concessão amorosa de quem sabe o que quer.

Furtou-me o ciúme e doou-me a crença. Fico mais tranquilo assim. Na terça-feira passada (13 de novembro), o celular vibra – era ela:

- Paulo, tudo bem?

- Tudo...

- Vi você, hoje à tarde, entrando na loja O Boticário.

- Fui comprar uns mimos para as moças do consultório do Marcos...

- E a moça que estava com você?

- É uma colega do trabalho. Foi comigo, me fez companhia...

- A gente se vê hoje?

- Você sabe que não...

- Ok, hoje é um dia especial... dia de solidão...

- Verdade!

- A gente se vê amanhã então.

- Beijo...

Na distração, prefiro o meu silêncio, a minha capacidade de viajar entre nuvens e tingir-me de cores guardadas no peito. Acho que ela tenta entender esse comportamento clandestino, essa ausência de corpo presente, essa limpeza de feridas antigas. Mas não sei até quando... Nesse feriado grande, desci para molhar os pés no mar. Ela preferiu seguir outros caminhos.

Estava tão distraído que não percebi sua despedida. 

Retratos




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Estava pensando em escrever um texto para o blog quando toca no rádio Selah Sue cantando Alone. Caí na gargalhada e pensei: só falta tocar agora a música Sempre será do Araketu. Não tocou. Mas como gosto da completude no sentir, fui na pasta de músicas e busquei a canção que conheci há pouco tempo – foi um presente. E como o texto que estava pensando era para quem me presenteou com a mesma (por isso as gargalhadas), pensei baixinho enquanto ouvia Tatau:  Sintonia noturna? Conexão afetiva? Um sorriso abriu em meu peito e o meu coração seguiu o balanço da música e as palavras surgiram na tela do computador.

Todos sabem que gosto de escrever as minhas complexidades amorosas, extravasar em palavras as paixões retidas, metaforizar os desejos ocultos, emergir algumas vontades e exorcizar os meus fantasmas. Mas quando escrevo sobre ela ou para ela, há carinho, respeito, bem querer e muito tesão à flor da pele.

Sorria para disfarçar as mãos frias e suadas. Tentava ser o mais natural possível. Mas os olhos cheios d’água traíam o inútil disfarce de um macho que sofria por dentro com a triste e a inevitável despedida. A certeza do nunca mais era flecha no coração – apache abatido como presa no seu próprio habitat. Morte lenta e sofrida até a próxima paixão.

A razão pedia para parar. Sabia que se teimássemos em continuar com aquela loucura algo de ruim poderia acontecer. Às vezes, o sacrifício é necessário para continuarmos vivos. Água desviada de seu percurso pode salvar, mas também pode alagar e afogar. O coração dizia sim, mas a razão gritava não.

Desembarquei no primeiro cais sem molhar os pés. Já estava acostumado a ficar às margens na metade do percurso. Coisa de quem viaja na maioria das vezes na clandestinidade.

Nada além de noites furtivas banhadas por vinhos e salpicadas por beijinhos. Tem relação que só funciona no silêncio da noite. Não tínhamos interesse em mudar nada na gente e na relação construída. Em noites carentes salvávamos com um chamado. O trato era sair como entramos, sem cobranças e sem perguntas. Numa noite de lua azul, o silêncio cobriu-nos como manto e os nossos rostos desapareceram como mágica na escuridão. 

Com o pé quebrado e sendo paparicado por quem me guardou no ventre e sentiu a dor de me parir numa tarde de domingo, fico aqui no computador escrevendo meus delírios e descrevendo fragmentos de amores antigos, opacos e ruídos pelo tempo.

Fui, certamente, culpado na maioria das vezes que me encontrei naufragando nas minhas próprias lágrimas. Já solucei, chorei rios, escrevi poemas como forma de testemunho e vingança. Catarse necessária para poder continuar essa jornada que para muitos é leve e natural. Sempre fica pedaço de mim pelo caminho – dificilmente saio inteiro numa despedida. Mas nem por isso deixo de tentar encontrar o que me fará inteiro outra vez. Agarro-me nas asas da esperança e sigo sem destino à procura de um colo que me abrigue sem nenhuma cobrança e apelos.

Hoje encontro-me só, mas ainda continuo ouvindo canções de amor.

Sedução




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Sempre que estou com ela descubro que nada sei. Estou sempre aprendendo outros caminhos – mapa mental que massageia e excita o meu bem querer. Ela sabe mexer comigo, sabe ser dengosa e menina na dose certa. Gosto desse seu mimetismo feminino que cada vez mais deixa-me atraído. O predador sempre se perde com o inesperado.

Quero gargalhar mais e brigar menos. De repente ela se zanga. Entra na contramão do afeto. Fico perdido sem saber o que fazer. Não é da minha natureza ficar calado. Tento argumentar, mas é impossível dialogar com quem sempre acha que tem razão. O jeito é deixar tudo como está, pois depois de meia hora, tudo voltará, com certeza, a ser como antes. O mar continuará azul, as montanhas verdejantes e seu sorriso me pegará de mansinho mais uma vez.

Ela é ciumenta demais. Mas eu nem ligo. Eu sei que o encontro do rio com o mar não é uma coisa fácil. Tudo é água, mas uma é doce e a outra é salgada. Energia necessária nesse turbilhão de sentimento de nós dois. 

Essa minha obsessão por uma paisagem perfeita, onde o afeto tem que ser como um manto sagrado e o amor como um grande abraço de corpo e alma, possivelmente atrapalha a leveza de termos uma relação duradoura. O defeito não está nela e sim em mim.  A obsessão é minha, a psicossomatização é minha. Meu corpo, minha dor. E tudo dói. Dor miúda que estremece tudo e faz o corpo chorar. Choro velado, preso no peito, solto somente no silêncio da minha casa.

Esse meu jeito arredio, de querer estar longe de tudo e fazer da lua e das estrelas minhas companheiras e confidentes, talvez seja uma defesa a esses amores possíveis – eles machucam como navalha. Mas por mais que eu tente fugir, chegam encobrindo tudo, deixando-me tonto de tanta sedução. Acabo abrindo a guarda e quando dou por mim, estou num barco à deriva, perdido, sem norte, ao vento, na esperança - mais uma vez - de pisar em terra firme.

Hoje, eu estou assim: falando dela, de mim, dos outros e principalmente de nós. Misturando tudo: passado, presente, realidade e sonhos. Tinta escorrida jogada na tela que antes era branca, ou quase branca ou menos branca que a minha saudade. Um jeito tosco de esconder algo que está querendo brotar em mim. Algo que rasga a pele de dentro para fora, como a planta que desponta na fresta de uma rocha, dando a falsa impressão de que foi ela quem a pariu. Mas a vida não é somente sensações, é imensidão, é infinitude na dor e na alegria. 
Hoje, hoje eu estou assim: querendo a mansidão depois de uma inquietude amorosa e o brilho em seus olhos, pedindo para ficar. E os nossos corpos unidos e aflitos, querendo recomeçar.

Hoje, hoje eu quero conhecer novos caminhos, construir novos mapas mentais e tácteis e aprender com ela um pouquinho mais.
Hoje, hoje eu estou assim: querendo bons momentos, para depois gritar de peito aberto o seu nome.


Precisão

Largue tudo e venha ficar comigo. Não diga nada, simplesmente entre debaixo da coberta e aconchegue-se ao meu lado. Abrace-me apertado e aqueça meu corpo carente de amor. Não, não estou depressivo e muito menos triste – estou é com muita saudade de tê-la perto de mim. Macho também necessita de carinho, de beijinhos no pescoço, de sussurros que encharcam os olhos e ressuscitam velhos pensamentos. Venha, a recíproca sempre será verdadeira. Cê sabe que sim...

Muitos sabem que gosto de ficar no meu recanto - longe de tudo e próximo do céu. E são poucos os que sabem como gosto de tê-la perto de mim. Sinto falta dos seus olhos, das suas mãos para poder segurar, das nossas conversas soltas ecoadas pela casa e das poesias marcadas na derme. Largue tudo e venha. A porta sempre estará aberta. Não me deixe neste vazio tão difícil de respirar. E se por acaso não puder salvar-me desta solidão de agora, não me conte a verdade. Invente uma história qualquer e mande-me uma mensagem pelo celular.

Não é descontentamento. É coisa presa no peito, sensação de vazio. Sofrimento miúdo de fazer chorar sem saber o porquê. Nunca me acostumei com esse sentimento obscuro, dessa coisa esquisita que chega de repente e mexe com tudo - coisa humana que estraga a alma se não tem outra para acalentar. 
Quando moleque, corria para o colo materno. Hoje, as necessidades são outras, as dores são outras. Venha logo! Não me deixe sozinho com esse sofrer clandestino. Venha resgatar-me dessa escuridão sem estrelas. Você sabe como fazer.

Venha matar a minha vontade de você. Vontade de dizer bobagens sem medo de ser ridículo, de deixar os compromissos para trás e viver como fosse o fim do mundo. Gosto do sorriso que vem de dentro, de tocar o céu da sua boca, da levitação emocional – coisas de Deus. Venha pra eu poder admirar, depois que a lua for embora, seu corpo nu sendo dourado pelo sol.

É vontade de criar uma nova história, fazer uma nova canção, de simplesmente deixar o dia passar lento sem nos preocuparmos com o depois. Quero amanhecer em seu corpo e saciar minha sede de você.  O dia está quase cumprimentando a noite manchando o céu de laranja. As cortinas, a qualquer momento, se abrirão para as estrelas. Nesse instante de Deus quero-te comigo para admirarmos juntos, deitados na rede, o aparecimento da lua.

Esqueçamos os erros de ontem e sigamos juntos nesse recomeço.


Largue tudo e venha, venha dizer-me safadezas na ponta da minha orelha. Venha... a recíproca será verdadeira. Cê sabe que sim...

“todo amor que houver nessa vida”


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Por aqui está tudo nublado. Não sei se permaneço parado à espera da dissipação ou corro ao seu encontro permitindo-me ser coberto pelo invisível. Confesso que assusta não saber o que tem do outro lado da porta: Se a verdade nua e crua ou simplesmente ilusão. Mas, neste momento de pouca visibilidade, pouco importa a surpresa encontrada. O que não quero é chorar de saudade e muito menos sofrer por um amor partido.

Não, não quero mais vagar em caminhos tortuosos, indefinidos, parindo dores ao relento em madrugadas frias. O que quero então?! Ah! Quero um amor tranquilo, sem guerra e mesquinharia. Um amor por ele mesmo, sem apelos, sem disse me disse, porque neste redemoinho, giro de mãos vazias, livre e sozinho.

Podem me chamar de tolo, de louco varrido, mas é desse jeito que quero: um amor sereno, sincero... um amor manso para ser embalado na minha rede e que possa contemplar comigo o azul do meu céu. Não estou à procura do pote de ouro na ponta do arco íris; estou à procura da completude nos olhos de quem quero pra sempre – e isso não depende somente de mim.

Ela não esperava ver-me naquele lugar sagrado. Seus olhos pequenos sorriram quando, sem querer, encontraram-se com os meus. Percebi um suspiro de contentamento que acabou contagiando-me de alegria também. Pensei: O que fiz para gostar de mim assim? Diante de um novo amor, torno-me leve como um dançarino e visto-me de poemas alheios para declarar o que sinto; diante dele, recrio-me em canções e cores que invadem a imensidão que há em mim. Ela não esperava ver-me tão apaixonado assim.

Mandei, numa noite dessas, uma música para ela. Gosto desse carinho musical. Nem sei se percebeu o afeto ou se o gesto simplesmente passou despercebido. Gostaria de mandar música todas as noites como se fosse beijinho antes dormir. Como sou coruja e não durmo antes da meia noite, fico com livros e músicas até o sono invadir-me. Não consigo mudar essa condição noturna – a noite também é minha amiga. Se não a tenho para me dar beijinhos, tenho as estrelas oferecendo carinho.

O sonho de ontem não foi nada tranquilo. Não tinha jardim nem montanha, estrelas e lua. Não estávamos num lugar paradisíaco, tampouco na multidão. Éramos somente nós, o sofá e a penumbra banhando os nossos corpos nus. Tem sonho que não precisa de paisagem, somente a presença ou a sensação do outro. Sempre que sonho com ela em madrugadas silenciosas, acordo molhado e febril.

Agora, agorinha, mandou-me uma charge bonitinha com a Lucy e a Sally Brown. Talvez seja a maneira de dizer que lembrou de mim, ou simplesmente mandou por mandar – por eu ser mais um nome na tela de seu celular. Nada além disso. Não gosto dessas mensagens subliminares, as metáforas pertencem à minha timidez. Preciso da claridade para caminhar em segurança, mesmo que o chão esteja forrado de estrelas.

Em cárcere tudo é mais complexo. A liberdade simplifica o mundo. Quando fui questionado por onde andava, percebi que as asas me davam possibilidade de ir e vir sem restrição. Gostava, antes dela, da vida solta, qual a distância ficava somente na imaginação.

Nesse instante amoroso, sinto-me preso ao chão – mas gosto da segurança que ela me traz. Nesse instante, adoraria estar colado em seu corpo, na esperança de nunca mais largar.

Lá fora, a neblina esconde a noite. Aqui dentro, no silêncio do meu quarto, fecho os olhos e viajo no escuro, só para vê-la dormindo.

Inconstante


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A lua cortada no céu, o vento batendo ligeiro na cara, o corpo num vai e vem ansioso, eram prenúncios de que algo estava para acontecer naquela noite embaçada. Quando surgiu ao longe com passos curtos e firmes não tive dúvidas - era o fim. Tentei argumentar; meus olhos apelaram, minhas mãos imploraram e o único som ecoado naquela noite foi um adeus lento e sussurrado. Tentei desesperadamente segurá-la pela cintura; queria que me ouvisse, que ponderasse o meu deslize, que acreditasse nas minhas juras de amor -  sempre verdadeiras. Mas num jogo rápido de corpo, desvencilhou-se como gata selvagem. Por poucos centímetros não ganhei cinco linhas paralelas no meio da cara. Dei um passo para trás... Meus olhos renderam-se mirando sua silhueta distanciando-se para nunca mais. É sempre assim: coração vagabundo sempre se perde em noites frias.

Sabíamos que só aconteceria naquele instante. Não teríamos outra chance se não fosse ali no meio do nada, na vastidão enfeitada por flores. Transformamo-nos em dois antropófagos famintos de amor. Devoramo-nos num ritual molhado e quente. Depois da letargia momentânea, seguimos, sorrindo, em direções opostas. Não tem jeito: coração vadio sempre segue seu caminho sem olhar para trás.

Estava guardado por tanto tempo que era certo não acontecer. Vontade não declarada é o mesmo que andar olhando para o nada – não se chega a lugar nenhum. Quando o jogo parecia estar perdido, que o tesão ficaria retido pra sempre, as peças se mexeram e o jogo virou. Para minha surpresa também havia fogueira do outro lado.  O segredo transformou-se em chuva numa tarde quente de primavera. Depois de tantas tardes molhadas, de confissões escancaradas, o adeus foi inevitável. O coração já sabia: Tudo que é bom, acaba logo.

A probabilidade de acontecer era alta, mas a malemolência mais forte. Não estava me fazendo de difícil, muito menos desdenhando de quem estava querendo. Entretanto, quando pensava em compromissos velados, horários a cumprir, disfarces à multidão e aturar certas atitudes, meu corpo arrepiava-se como o de um gato. Não havia tempo para perder com discussões. Não demorou muito me cobrir de silêncio. Coração calejado, não atura frescura.

Achando que já tinha passado por tudo, acabei abrindo a guarda e quase dancei. Impossível não notar todo aquele charme: boca linda, olhar sacana. Quem não gosta de um dengo gostoso?  Parecia conhecer-me pelo avesso – vantagem das experientes que sabem o querem. Apaixonei- me como um adolescente. Fiquei de quatro por muito tempo. Mas gato escaldado não gosta de chuva. Quando fui encostado na parede, a realidade veio à tona e a lua de mel terminou ali. Coração ferido, demora a sarar.

Esse coração de asas longas ainda não encontrou seu ninho. Vive  como  passarinho perdido em pleno ar.

- Perdido?!

Incompreensível


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O que fez para eu sentir tanta saudade assim? Às vezes me pego distraído, olhando para o teto à procura de seu rosto. Permaneço no escuro, mergulhado no silêncio, tentando ouvir o seu sorriso. Somos tão diferentes em tantas coisas... Enquanto se joga no seu querer, guardo o meu dentro da timidez. Talvez tenha medo de ter um ombro como o seu para acolher-me e depois, por qualquer motivo, encontrar-me no vazio. Não seria a primeira vez tamanha decepção. O sofredor sabe o que acorda sua dor.

Mas mesmo assim, ainda quero um amor maior que o dos poetas. Viver intensamente por mais que seja efêmero. Fazer o que se a carência transborda e torna-se rio? Navego em mim espalhando para longe a tormenta deixada por tantas. Quero sim, um amor grande, daqueles que só percebemos quando não dá mais para fugir. Asas podadas para um caminhar seguro.

A luz seria menos clara se não fosse você. Os meus olhos descansam em sonhos quando têm os seus como guia em noites sem lua. Sou e acho que sempre serei um menino equilibrando o seu corpo sobre muros velhos e craquelados. Ladrão de frutos alheios. Vapor dissipado para não ser encontrado. Ave volátil que migra à procura de novos ninhos. Confuso? Ambíguo? Contraditório? Talvez... Nunca me achei perfeito. O meu espelho deixou de ter aço há tempo. Prefiro olhar-me através de outras retinas – torno-me verdade e amor.

Hoje, aprisiono-me em pensamentos. Guardo o meu desejo na alma. Quem sabe um dia, tudo isso acabe e eu volte a flutuar? Que o fim esteja longe e eu encontre, nesse ínterim, outros caminhos para voar na direção do meu querer. Estou carente de ar; carente de amor; carente de você. Quero voltar a sonhar-te, mesmo que seja no calor do meio dia. E que a dor futura valha a pena depois da efemeridade do amor vivido.

Não quero permanecer tanto tempo no escuro, tenho medo de nunca mais enxergar.





Às quatro Marias



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Tem gente que entra e sai das nossas vidas sem fazer estrago. Com ela não foi diferente, aconteceu tudo tão de repente que não acreditamos estar, descaradamente, fazendo juras de amor. Ríamos daquela situação porque sabíamos que não ficaríamos juntos por muito tempo. Tínhamos os nossos planos e esses não nos incluíam. Enquanto juntos, deixamos a fita solta, nada de criar laços. E o vento que a trouxera num dia de sol, levou-a numa noite de lua e a fita que nos unira flutuou no mar levada pela brisa. Foi muito bom viajar em suas asas e conhecer outros caminhos. Ainda somos amigos.

Tem gente que entra em nossas vidas como furacão. Quando percebi, estava no meio da sala gritando a famosa frase: Meu Deus! O que foi que eu fiz para merecer isso? Também, o que esperar de dois seres descompensados discutindo a relação. Nunca foram calmos os nossos encontros e muito menos as despedidas. Não tínhamos a fita para fazer o laço. E da mesma forma que tinha chegado, partiu - como um furacão batendo a porta com toda sua fúria. Encolhi-me todo ao escutar o barulho.
- Ai! a porta era de vidro.

Tem gente que chega pra alegrar. Conhecemo-nos num hotel. E em pouco tempo ela estava na minha cidade, na minha casa, na minha cama e no meu coração. Éramos gargalhadas sem fim. Entre um gozo e outro, as risadas rebatiam nas paredes frisadas do quarto voltando aos nossos corpos nus. Divertíamo-nos com a sinceridade um do outro. Éramos amantes de nós mesmos. Deixávamos o pudor para os moralistas e ríamos as gargalhadas das sacanagens construídas. Éramos safados, despudorados, vadios e felizes. Não tinha tempo perdido. Não foi fácil a despedida. Mas continuamos amigos e haja o que houver estamos sempre rindo.

Tem gente que vem para ficar, há algumas que somente passam, outras que deixam marcas. Era vontade de querer pra sempre, de estar junto pra nunca mais largar. Reconhecíamo-nos pelo brilho do olhar. Olhar que penetrava até a alma. Visão amorosa emoldurada por gestos gentis. Como era bom estar perto, como era bom sabermo-nos. Ela me trouxe de volta o céu marinho, a lua cheia e a coragem de viver. Com ela tornei-me mais leve, mais centrado e menos vadio. Quando ela se foi, não me entristeci - entendi que fora preciso. Nunca mais a vi. Ela deixou saudade.

Hoje, não há nenhuma Maria na minha vida. Fico por aqui ouvindo músicas, lendo livros, escrevendo no ar um outro nome. Aqui no meu esconderijo, o tempo é o meu único amigo. Crio paisagens, desenho sorrisos e viajo de carona na cauda do vento. Nesse instante de silêncio coberto por estrelas, não tenho muito para dizer-te a não ser que:

-  O meu amor está ilhado no peito; está guardado na sombra do querer.


Amar contínuo


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Para o meu bem querer



Às vezes me sinto numa calmaria budista tibetana. Nada de afobação – na precipitação, deixamos de lamber os dedos, e o que deveria ser saboreado é tragado pela impaciência. Sejamos mais tácteis, mais olfativos e menos urgentes. Correr na chuva não quer dizer que nos molharemos menos. Então, andemos de mãos dadas na certeza de que chegaremos juntos, não importa quando.

Em sua presença, fico mais leve e menos aflito. Perto de você, navego em ventos termais e deixo o pensamento fluir, perco-me em desejos secretos e você sabe disso.

Querer navegar contra a maré é, pelo menos, gasto desnecessário de energia. Amar é ondear entre as margens do rio, desviando de obstáculos que porventura venham aparecer. Deixa o barco ir; deixa o sentimento seguir seu rumo; deixa acontecer. Amar é resguardar e não desnudar. Desejo-te inteira. Inteiro, habito em ti.

O coração bateu forte quando a vi depois de tanto tempo. Por um instante ficamos silenciosos como se estivéssemos num templo orando a Deus. Depois da levitação, ela rasga a minha timidez perguntando-me, com voz suave, como estava. Sorri, e sem dizer uma única palavra, inclinei-me para beijá-la na face.

Tudo voltou: a emoção, o desejo, a leveza e a certeza da nossa existência. As nossas urgências não nos definiam; os nossos olhos, denunciavam-nos e as nossas mãos nos comprometiam. Mas naquele momento éramos água seguindo, cada qual, o seu curso. Quem sabe num outro dia. O mar estava logo ali, acariciando a montanha e cobrindo os meus pés de areia.

De repente tudo mudou quando, sem querer, encontramo-nos no meio da multidão. Um sorriso, um abraço apertado não querendo soltar. Estávamos visivelmente felizes com a surpresa do encontro. Um carinho no rosto, uma mexida no cabelo, um segurar de mãos e seguimos para fora daquela aglomeração.

De repente a tristeza que alagava meu corpo evaporou transformando-se mais tarde em chuva. Guardamos os nossos compromissos e urgências nas mochilas e esquecemo-nos em conversas e sorrisos numa confeitaria. Conversas doces regadas com café e creme. Amizade com cobertura colorida e florida de amor. Despedimo-nos à sombra da lua.  

Depois de alguns encontros e desencontros sempre volto para casa querendo ouvir, ao som do violão, canções de amor. Da minha varanda, espero-te na esperança de tê-la. Depois de um dia chuvoso e quente, quero mesmo que a calmaria do meu quarto seja rasgada pela disritmia provocada por sua chegada. É assim que tem que ser e é assim que vai acontecer - sem urgência. E depois de tudo, quando nos desgrudarmos não diremos adeus, pois separados estarão os nossos corpos, mas o desejo não. Quero-te minha, quero-te colada na minha retina.

Às vezes me sinto num templo budista tibetano. Por aqui não há precipitação – há leveza e poesia. A lua sempre toma conta de mim, espiando-me atrás da montanha e o sol chega manso, acompanhado de brisa. Lembra-se da canção que você me presenteou? Nesse momento de amor guardado, de bem querer, eu a escuto todos os dias pensando em nós dois.

Às vezes me sinto assim:

- Apaixonado por você!

Empatia II


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Sabe aquele sorriso que estampa a nossa cara e mesmo depois de algum tempo continua dentro da gente? Pois é, hoje fui tatuado por um desses. De quando em vez, fico contente com algo que não aconteceu diretamente comigo, mas que me faz sentir como se acontecera. Liguei o celular e lá estava o recado de uma amiga de tanto tempo dizendo estar de férias em algum lugar da Europa. Abri um sorriso como se eu estivesse com o passaporte nas mãos. Ela mais que merece viajar por aí. Passarinho gosta mesmo é de voar.

Estava do lado de fora do restaurante, quando encontro uma amiga de longa data. Estava indo para um almoço com sua filha e seu ex. Nos abraçamos e conversamos por uns minutinhos. Pronto! Sorriso na cara a tarde toda. Ela sempre me fez bem. E fico mais contente ainda quando ela está em paz com a vida. Senti leveza em seu sorriso.

Toda vez que visito Valéria, nos divertimos muito. Conversamos de tudo. Sem censura. Amigos de verdade não têm frescura. Com ela, consigo escancarar meu coração. A nossa amizade é transcendental. A nossa história é para sempre.  Com ela não tem somente sorriso estampado na cara. Tem gargalhadas na alma. Aliás, preciso vê-la com urgência. Estamos com a mesma enfermidade – estamos nos recuperando dos pés quebrados. Amigos até mesmo nas fraturas. Eita amizade grande!

Para os amigos não tem segredo, tem respeito. O Marcos tem a chave da minha casa. Camarada amigo que nunca me deixou ficar na pior. Quando a depressão dava as caras, ele sempre aparecia para levantar-me. Não era fácil, mas sempre conseguia colocar um sorriso na minha cara. Amizade que cura.

Ultimamente, eu andava carrancudo. Puto da vida com alguns colegas que estavam me ¨acusando¨ de uma coisa que não fiz. E o pior de tudo é que não tinha como provar que estavam errados. Somente uma pessoa poderia falar a verdade. Acabar com todo aquele constrangimento. Mas quando tentei indagá-la, ela me disse que também achava a mesma coisa. Fiquei confuso e mais carrancudo. Céu nublado deixa os olhos embaçados. Os meus, ficaram no escuro.

Hoje, depois de algumas semanas do ocorrido, fui tatuado com aquele sorriso largo na cara. Quando vi o arranjo de flor enfeitando novamente a sala dela, achei que a ¨brincadeira¨ voltaria. Saí daquele lugar o mais rápido possível, não dando oportunidade para as insinuações dos maldosos. Fico com medo da minha reação. Também sei ser arenoso. Areia não só  pode se transformar em colchão mas também pode virar movediça.

Havia alguma coisa que eu perdera no meio do caminho; que estava me perturbando: Por que estavam achando que eu era o florista? Ao chegar em casa, mandei uma mensagem perguntando se estava namorando. Quando ela me respondeu que sim, um sorriso enfeitou minha cara.  Consegui até sentir o cheiro da flor. Sempre acreditei que a nossa amizade era grande e colorida e que um presente florido não colocaria tudo a perder. E não seria insinuação maldosa que nos abalaria. Brincadeira tem hora, amizade não.

Sabendo da verdade, posso agora dá o troco na mesma moeda. Vou deixar que pensem que sou eu o florista. Ficarei calado. Possivelmente, ela não quer que eles saibam a verdade: o nome da pessoa amada. Gosto dessas coisas secretas. Acho que ela também. A manhã foi feita para tirar as roupas da noite de ontem.

O que ainda está me deixando intrigado é o fato dela ter me dito que também pensou que fosse eu quem mandou as flores.

Quer saber, o que importa mesmo é esse sorriso estampado na minha cara. Gosto de ver os meus amigos felizes. Gosto mais ainda quando os seus sorrisos amorosos me contaminam com esse vírus do bem.

Bora ser feliz?!


Passagem


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Hoje, eu a vi num relance. Ela estava bonita. Seriamente bonita. Não falou comigo. Não se despediu. Simplesmente sumiu diante dos meus olhos, como o vento que passa deixando somente uma lembrança afetiva.
Hoje, eu queria tê-la em meus braços. Não precisava de mais nada. Somente tê-la comigo para ouvir o seu coração ritmado e ver seus olhos brilhando na hora da despedida.
Hoje, eu a vi num instante. Ela estava bonita. Pena que não estava para mim.



Inevitável





Abraços e afagos, quem não gosta?! Eu adoro. Em público, a discrição era fundamental. Quando a encontrava, o meu abraço era levemente apertado e o meu afago era um cheiro no pescoço e quando possível um selinho discreto. Nosso comportamento, nosso código amoroso.
Por muitas luas, o céu marinho foi o nosso teto. Por muitos sóis, a invisibilidade nos favorecia. Estávamos bobos de amor; estávamos tremendo de medo. Medo porque sabíamos que não havia estrada para seguirmos juntos e que na primeira encruzilhada, seria inevitável a despedida. Quando chegou a hora, o vento foi o mensageiro de nossos desejos e desespero.
Eu segui sozinho, enquanto ela seguiu o seu caminho acompanhada por uma mão já conhecida.   

Guardado


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Éramos silenciosos, secretos. Nos guardávamos em dias ensolarados e nos encontrávamos e nos despedíamos no começo dos crepúsculos. Não era por timidez, tampouco era por medo, era simplesmente necessário ficarmos invisíveis aos olhos alheios. E por outro lado, era bom pensar que estávamos em pecado. Estávamos?!  Pouco importava se sim ou não. A tesão era grande e o perigo também. Hoje, ficou somente a memória ainda secreta, guardada numa caixa azul. Não somos mais os mesmos. Há marcas vincadas mapeando a derme. Há sarcasmos em nossas conversas. Não somos mais os mesmos, mas quando  segredei na ponta da sua orelha o que sentia, ela olhou para mim e sorriu.

Certeza



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Em uma construção o alicerce é fundamental, ele segura os abalos sísmicos dos mais diversos. E na vida não seria diferente. Quando a despedida foi inevitável, meus pés continuaram presos ao chão. Meu corpo não definhou, mesmo vendo as peças daquele tabuleiro derrubadas de uma só vez. Era quase certo que uma ventania um pouco mais forte, destruiria tudo. Tragédia anunciada cravada no peito. O dedo estava sempre no gatilho. Qualquer coisa era motivo para despedidas repentinas – fragilidade emocional construída pouco a pouco de dentro para fora.
Numa construção o alicerce é fundamental; numa relação a confiança é a certeza de vida longa. O amor acabou, mas a dignidade não. (Com você viveria esse turbilhão emocional tudo de novo)

Eu quero estar com você

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Foi muito bom quando ela chegou de repente e me deixou sem ação. Demorei para libertar-me da dor que ficara em mim por tanto tempo. Perdi várias chances de viver pleno, mesmo que por alguns instantes. Tinha me transformado em capitão-do-mato de mim mesmo, que sempre resgatava a solidão e a devolvia para o meu peito depois de algumas violentas chibatadas. Era escravo dos meus sentimentos mais perversos. Definhava-me à sombra do medo. No meu quarto, todos os segredos.
Mas quando ela chegou, os elos foram abertos e a liberdade deixou-me mais leve. Foi muito bom quando ela chegou de repente e me estampou um puta sorriso na cara. Foi ele, o amor verdadeiro, que me fez humano, mais óbvio e menos obtuso. (faça de mim seu – eu desaprendi a voar)

Mate!

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As peças estão arrumadas no tabuleiro. As brancas estão do meu lado, e pela regra, polêmica à parte, são por elas que se começa o jogo. Tem horas, se por covardia ou se por pura razão, penso não começar esse jogo tão complexo. Se o jogo não for abandonado no meio da partida, o final será inevitável e alguém vai levar um xeque-mate. E geralmente esse alguém sou eu. A distração é a minha companheira diária. Estou sempre me perdendo no vazio. Mas como a curiosidade é característica primária, sempre acabo mexendo primeiro na bendita peça do tabuleiro. E a partir daí a estratégia é fundamental, coisa que não sei fazer muito bem – não sou nenhum General, muito menos um Guerreiro. E nesse jogo, vacilou, dançou! (não quero uma dança solo – eu não sei dançar sozinho!)

Quem sabe




Está tudo muito esquisito por aqui. Sabe aquela coisa que muda a nossa rotina?  Quando a gente acorda e antes mesmo de abrir os olhos a imagem que chega é a mesma que te fez dormir e sonhar? Nos meus sonhos a histórias se repete quase todas as noites, a paisagem muda, mas a personagem é sempre a mesma. O que está me deixando ressabiado, é o fato de todos ficarem me fazendo a mesma pergunta, se eu vi passarinho verde. Será que estou tão estranho assim? Eu hein! Quero a minha cara de pau de volta! Blefar, geralmente, faz você ganhar! E nesse jogo, o melhor é o silêncio, e não se deixar levar por nenhum passarinho, mesmo que ele seja multicolorido, até porque tudo ainda está em plena construção. Por enquanto, tudo se encontra somente em meus sonhos e desejos. Tem alguma coisa esquisita por aqui. Quer saber, vou comprar chocolate e vinho. Vai que ela esteja lendo esse texto e o que é vontade se transforme em realidade. Quem sabe.

Texto inacabado



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Não é querer reviver e muito menos consertar qualquer coisa. É mais que isso; é concluir o que ficou inacabado. Desatar o laço e deixar a fita seguir livre por aí. Um beijo, um abraço, um olhar molhado, um segurar de mãos, um desprender de alma. Qualquer coisa que possa deixar-me livre para uma nova jornada. Na cabeceira de minha cama há pilhas de leituras incompletas. Não é somente querer, é necessidade de vida. Nada de peça faltando no tabuleiro sobre a mesa. O inacabado me sufoca.

Um dia desses, sonhei com você. A angústia me acordou no meio da noite. Levantei com a boca seca e o corpo cansado. Um copo d´água, um espreguiçar fazendo da pedra gelada da bancada da pia, barra de sustentação. Um suspiro profundo e uma porrada de recordações, não me deixaram dormir de novo.  A insônia é minha companheira desde sempre. Enquanto todos dormiam, eu ficava ali de olhos abertos olhando o nada, o negrume era o pano de fundo da minha imaginação. Meus olhos se fechavam com o cantar dos passarinhos.

Quando ouvia a voz de comando para acordar e levantar, porque estava na hora de ir para a escola era um sofrimento só. Sempre invejei aqueles que acordam falando, cantarolando como se a vida fosse uma eterna primavera. Sempre me assustei com aqueles que dormem com as galinhas. Personagem querido era o Drácula que vivia a noite e dormia o dia.

Mas ontem foi diferente, o sonho despertou-me para situações que eu ainda tinha que resolver. Abrir o baú e me desprender. É difícil, eu sei. Principalmente quando o que se está dentro é mais que tudo. Bicho alado não consegue voar em dia de chuva. E, certamente, temporais sempre existiram e existirão por aqui. Em dias alagados, o melhor para se fazer é ficar quieto olhando de cima. E a chuva não está dando trégua.

Não há culpado nesse meu caminho descontínuo. Mas se tem que haver um, então me faço presente. Os inacabados, mesmo os sufocantes, fazem parte da minha história. E se até hoje não os retornei para completar as falhas deixadas na minha linha de tempo, é porque o vazio também faz parte da minha paisagem. A discrepância também faz parte de mim.


Ainda não foi dessa vez. Não houve o beijo nem o abraço, muito menos o olhar molhado e o segurar de mãos. Olhei para a cabeceira e a pilha aumentou. O tabuleiro continua sobre a mesa e a alma, coitada, continua presa à espera da liberdade. A insônia continua sendo minha companheira; o negrume ainda é o pano de fundo da minha imaginação. Mas com uma diferença: hoje eu escrevo, mesmo que sejam textos inacabados. 

Passagem




O sereno que molhara a janela de madrugada se fora dando lugar a uma manhã brilhante e sonolenta de primavera. Virei meu corpo para a parede não querendo senti-la, cobri minha cabeça não querendo vê-la. Esqueci de tudo num sono profundo e silencioso.
As cores se misturaram em minha mente e o cinza cobriu-me a alma. O dia e seus coloridos permaneceram lá fora, como tinha que ser. Às vezes, não podemos mudar o que está fora e muito menos o que está dentro. Senti uma saudade incontrolável de você. Carência ou vontade de ter de novo as nossas conversas abertas sem censura e gargalhadas infinitas por qualquer motivo? Talvez as duas coisas e muito mais.
Geralmente, deixo para trás quase tudo. Raramente retorno a lugares e momentos. O que passou, passou.  Minha mente seleciona o que posso ou não guardar. E você foi coroada por fitas coloridas e miçangas douradas – É muito bom ter você comigo. Guardo-a em meu peito para sempre e como convém. E o bom de tudo isso, é que podemos estar juntos a qualquer momento. Basta querermos.
Essas coisas insanas de selecionar, de guardar, de querer, de poder e ¨otras cositas más¨, não são somente para pessoas e momentos bons. Também há ¨personae non gratae¨. Como esquecer uma ferida que deixou uma cicatriz dura e profunda?  Ela permanece na pele e na alma para lembrarmos dos perigos iminentes e termos a chance de nos proteger de uma nova ferida. Foi o que aconteceu com ela. Tudo aquilo que poderia ter ficado de bom foi enterrado quando a sua máscara caiu e a maldade emergiu de sua alma. Verdade! Tem gente de alma pequena. Vinicius escreveu que o ciúme é o perfume do amor. Caetano no funk melódico diz que ele é estrume. O que sei é que ele é foda! Desestabiliza as duas pontas. Uma hora  será colérico, fatal. Tudo acabado, mas não apagado. Tenho comigo as cicatrizes de uma ferida ocasionada numa tarde de verão.
A tarde que me fora de lembranças, agora míngua num tom cinzento dando passagem à noite marinha e brilhante. Viro-me à procura da lua. Dispo-me de tudo e banho-me de esperança de uma madrugada serenada, lenta e divertida. Digo:


- Boa noite para quem é de boa noite!

Emocional

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O vento que surgiu na minha varanda agitou tudo. Tremulou as coisas e arrepiou a alma. Carregou consigo as nuvens e os meus pensamentos. O céu se mostrou mais azul e meus olhos mais castanhos – talvez por ter levado a chuva para além da montanha e as lágrimas para outro lugar.

Ontem, não queria me levantar, um tipo de paralisia emocional. Estiquei as pernas ao máximo. A coluna seguiu meus braços longos e finos numa tentativa inútil de sair daquela posição protetora e infantil.  A fumaça engolida, inflava os meus pulmões e viajava pelas artérias em sonhos e ventania. Segurei na cauda do vento e deixei levar-me para além do halo que cerca meus olhos marrons. Gosto das figuras formadas nesse meu céu inventado. E quando tudo acaba, estou menos pesado e mais flexível. Mas nada disso conta se a pele que estou vestindo não suporta o frio invasor que insiste em visitar-me nas madrugadas embaçadas – volto ao denso líquido amniótico na esperança de libertar-me do imenso emaranhado existente. O sonho me é sagrado somente quando nele você está.

Às vezes, prefiro o sono silencioso, sem personagens e paisagens. Acordar sem a lembrança do ontem. Começar a vida quando os meus pés tocarem o piso de madeira do meu quarto.

Às vezes, prefiro levantar-me sem a certeza de nada. Seguir a vida levado pelo vento. Cobrir-me de nuvens e regar o chão por onde piso.

Às vezes, prefiro continuar no ninho, coberto pelas palhas soltas e protegido da incerteza do mundo. Ando meio cansado de tudo.

Às vezes, acordo querendo sentir o sol.  Olho para o céu na esperança de vê-lo. Mas se o dia está nublado e frio; aqueço meu corpo com uma taça de vinho, e a minha alma com a certeza de um dia melhor.


Hoje, acordei com os olhos brilhando depois de um longo sonho. Seria profano se nele você não estivesse.

Abrigo


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Quando olhei para os seus olhos, os meus encheram-se d’água também. Havia um certo desespero em seu olhar que me deixou aflito por não saber o que fazer; e quando não tenho o que dizer, entrego meu corpo num abraço apertado. E foi o que eu fiz. Enlacei meus braços em seu corpo e, por um bom tempo, ficamos ouvindo os nossos corações. Cada um na sua cadência. Arritmia emocional.

Como era gostoso ser aconchegado por ela. Ficar encaixado até o sono nos transportar pra bem longe da realidade daquele momento. Eram abraços de amor, de vontade de ficar, de querer nunca mais largar. Era como se viajássemos com as asas do outro. Pura leveza.

No meio da aula, no fundo da sala, estavam dois adolescentes num abraço - amigo. Um abraço de consolo, de carinho. Eram cúmplices de algo que a minha mente antiga não alcançava. Enquanto a genética embaralhava as cabeças dos outros participantes do grupo, eles viajavam numa paisagem paralela, entre abraços e carinhos –  quase inalcançável se não fossem os dois corpos materializados no fundo da sala. Pureza, lindeza sem fim.

Quando menino, esperava o meu pai ir para o trabalho e corria para o seu lugar na cama. Ficava como um feto, todo encolhido com os braços de minha mãe protegendo meu corpo franzino. Acho que toda criança gosta de dormir com os seus pais. Não era por medo, era por carinho e proteção - saber que ao lado tem alguém que não vai te fazer mal. Era como se o cordão ainda existisse.

Meu filho quando pequeno gostava de dormir comigo. Usava seu quarto para brincar, estudar e até para tirar uma sonequinha à tarde. Mas na hora de dormir de verdade, nem perguntava se podia ou não, trazia seu cobertor e se instalava num lado da cama. Diferente de mim, sempre achei que tinha medo de ficar sozinho. Só dormia em seu quarto se tivesse companhia.

Talvez por achar o abraço a demonstração mais forte dos afetos, eu a abracei sem dizer uma única palavra. Sabia que naquele momento palavra não bastaria. Dei o calor do meu corpo. Era o que tinha para dar. E depois de um bom tempo ouvindo os nossos corações, o choro veio miúdo, sofrido, abafado pelo meu peito. Nenhuma palavra, somente soluços e suspiros longos.

Com o tempo veio a bonança. Faz parte da ordem natural das coisas. A noite sempre dará lugar ao dia, mesmo que você não queira.

Amanhã quem sabe o meu abraço não terá um outro significado. Mas no momento eu lhe peço: se perceberes que estou triste, abraça-me, abraça-me apertado. Não diga nada, apenas me abraça.


Fatal


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Não queira saber o que estou sentindo. Não me peça para revelar o que em mim está guardado por tanto tempo. Sou ave presa à espreita de uma fresta. Um dia, quem sabe, saberás o que em mim ficou e se sobrou alguma coisa de nós dois. Quando se olha para trás, perde-se o que está vindo. Sigamos! Mesmo que numa paralela. Revisito somente o que em mim deixou claridade. Não é o caso!

Nem sempre estamos preparados para darmos de cara com a Monga. Não é mesmo?! O espelho jamais revelará a alma. Fora tão superficial tudo aquilo, mas que só agora eu percebo a perda de tempo - fora tudo ilusão. Pura física. Nada além disso.

Às vezes para atravessar o desconhecido temos que nos equilibrar num fio não muito resistente – faz parte do perigo (ou da vida). Lá estava a aranha em sua teia, do outro lado do abismo, à espera de seu visitante. Depois de seu propósito, a morte é certa. Faz parte de sua natureza. Dela e de muitas outras.

Ela sabia que não era amor, mas fingiu ser. Ela sabia que não duraria, mas fingiu eternidade. Ela não tinha oito pernas, mas o enlaçava como se tivesse. Ela sabia o que queria, mas fingiu ingenuidade. E depois de seu propósito, diferente do aracnídeo, amputou os seus membros. Faz parte de sua natureza, abandonar quem lhe quer bem. No caso da aranha, o macho sempre sabe que não sobreviverá.

Como sei que nem sempre vou estar preparado para dar de cara com a mulher-gorila, evito o jogo de espelhos. Não me arrisco no desconhecido e prefiro o chão batido. Sempre há a esperança do nascer de uma flor. É da minha natureza acreditar.

Então, não me pergunte o que estou sentindo. Não me peça para revelar o que em mim está guardado. As virtudes são minhas, os defeitos são meus e os pecados eu pago depois. As gavetas já foram arrumadas, as paredes mudaram de cor e o jardim... este, está mais colorido – as flores são outras.

E agora, exatamente agora, termino o texto ouvindo fósforo queimado deitado na rede da minha varanda.


Sintonia




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Acordei com uma vontade danada de estar com você. De quando em vez tenho a sensação de que tudo está fora do lugar. Hoje, meus olhos demoraram a enxergar. Insistiram em querer sonhar. De olhos fechados enxergo melhor o invisível. Palpável somente dentro - a alma sabe afagar o que os olhos não alcançam. Sonho. E sonhando vou levando, transformando, imaginando outros sonhos e colorindo o que antes não tinha cor. Colorir a vida é necessidade básica, nesse momento tão incerto. Principalmente em tardes tristes como a de agora.

Ela estava sentada ao meu lado. Uma mistura de verdade e ilusão. Ainda continuo tímido na multidão. Esparramado somente em meu quarto. É nele que canto e danço bolero; que sorrio e choro; que falo o improvável e assopro palavras em corpos nus. Meu quarto, meu templo.

O dia ficara mais quente e mais claro quando ela chegou. O sábado se transformara em poesia de Vinicius. A minha boca, inexplicavelmente, tornou-se menos tímida que os meus olhos, e o silêncio fora quebrado e nos descobrimos em assuntos variados sem pé e sem cabeça. A diversidade fez o lugar e sorrimos juntos e bebemos juntos e fumamos juntos. Ela trouxe, de volta, um tempo que eu pensara ter perdido para sempre. Ledo engano.

Tem gente que consegue tatuar a nossa alma. Ela tatuou-me de primeira. Gosto disso! Tesão instantânea. Vontade de estar e querer ficar. Quereres sem fim. Plantar e esperar o fruto amadurecer.

Tem gente que consegue afastar pra bem longe o que é triste. As nuvens negras se foram levando com elas a desesperança. Deixando comigo a leveza do ser.  

Tem gente que consegue, somente com um sorriso, transformar um dia qualquer em domingo. Espreguicei-me em sonhos e possibilidades. A rede embalou-me até o sono chegar.

Tem gente que consegue voar em poesias. Agarrei-me em suas asas e viajei para bem longe dali em rimas e devaneios.

Tem gente que consegue nos deixar do avesso. Por alguns instantes tornei-me o mais canalha dos homens.

Tem gente que sabe chegar. A tarde se foi e ela também. Mas o céu afagou-me depois do crepúsculo com estrelas, lua prateada e feitiço.

Tem gente que consegue transformar um momento casual num futuro provável. Acordei com uma vontade danada de tê-la só para mim.


Sorte! Ela me deu o número do seu celular.

Esperança


Flower power. Acho que temos que começar a florir as nossas vidas novamente. Mas sem LSD, por favor! Hoje, psicotrópicos não combinam com a não-violência – estamos no século vinte e um. Que me perdoem os influenciados pelo poeta Allen Ginsber, mas se drogar não está com nada. Prefiro as sacadas floridas do Ziraldo, o poder das flores do Vandré e as rosas do Cartola.

Eu acredito no poder das flores.

Temos que florir e perfumar algumas cabeças que teimam em pensar somente no mal. Incensá-las com cheiro bom é mais que necessário, é vital. Chega de teorias de conspirações! Chega de transformar os mais ingênuos em massa de manobra para poderes escusos. Sejamos mais conscientes sem perder a alegria. Alegria que está no nosso DNA. A alegria só incomoda ao mal - amado. Quero mais textos e poesias de amor. Mas, por favor, sem a demagogia de uns e outros, que aparecem de bons moços, mas que na verdade não merecem o nosso respeito. Basta de violência aos mais frágeis. Que termine logo essa guerra de gênero. Um ípsilon não pode ser mais que um xis, ou vice versa.

Eu também acredito no poder das cores. Quando ela chegava com uma blusa colorida, estampada ou não, era sinal que estava tudo bem. Se abrisse um sorriso então, a noite foi boa e o nosso dia seria melhor ainda.  Agora, corra pra bem longe se o modelo apresentado fosse preto da cabeça aos pés. A bruxa estava solta e o melhor é não dizer nada. Contrariá-la era suicídio. O melhor era ficar em silêncio, na esperança de um amanhã mais colorido.

Flores e cores. Combinação perfeita para um dia bom. E que as cores de abril de Vinicius de Moraes estejam todos os dias e em todas as estações e principalmente em nossos corações.




A namorada

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Ela estava ali para ser admirada. Impossível não notá-la. Meus olhos brilhavam ao vê-la debruçada no muro de concreto. Sentia uma imensa vontade de contravir; de tirá-la de cima daquele muro frio e levá-la direto pra casa. Mas o que diria, quando me perguntassem onde a encontrei? Diria que infringi a norma da casa e a roubei do vizinho?  Não, não seria honesto com o vizinho e muito menos com quem me educava.  Então, passei a admirá-la mais de perto. Escalava o muro e a cheirava profundamente. Nunca uma rosa branca fora tão perfumada. O dono da casa e da rosa descobriu-me e acabou virando meu amigo. Contou-me a história da roseira – uma história mais linda que a flor.

Admiro aqueles que conseguem cultivar flores, que as tratam com carinho, doando seu tempo para mantê-las vivas e fortes. Uns dizem que é dom, outros dizem que é técnica. Prefiro dizer que são ambos misturados com amor. Acredito que sejam pessoas apaixonadas pela cor e pelo perfume delas, pessoas pacientes e sonhadoras. Não estou aqui enaltecendo os paisagistas – estes são profissionais. Estou me referindo aos domésticos que fazem o que fazem por hobby, os jardineiros amadores que fazem de um lugar monocromático um lugar perfumado e colorido. Um lugar todo deles.

De repente o terreno baldio ficou coberto por girassóis.  Sempre passava pela rua e reparava aquele lugar jogado, cheio de entulho e mato alto.  Mas alguém teve a delicadeza de limpá-lo e flori-lo com girassóis – os passarinhos agradeceram. O verão ficou mais florido.

Nunca fui bom em plantio. Não pela bobagem de ter ou não ter mão boa para isso. Mas pela falta de paciência, dedicação e técnica. Gosto do imediato, do agora. Não sei esperar.

Ela não estava ali somente para ser admirada. Meus olhos brilharam quando a vi pela primeira vez.  Senti uma imensa vontade de tê-la, de levá-la imediatamente comigo. Mas ela era mais que uma Rosa debruçada num muro de concreto. Levei-a comigo em meu coração. Desejo secretamente aflorado em arrepios e calafrios.  Não por muito tempo. Pois, depois de alguns encontros e desencontros, ficamos juntos fazendo história por uma estação.


Armadilha



Era laço pra enfeitar. Demorei a aprender  fazer o laço no cadarço do sapato. Nunca ficava perfeito.  Andava olhando pra baixo na esperança dele não desmanchar antes de chegar à escola. Certamente me atrasaria por ficar agachado tentando fazer o laço mal feito. Acredite se quiser, mas até hoje eu tenho dificuldade de fazer um laço que dure. Gosto da praticidade e da leveza dos mocassins – bela invenção indígena. Os mocassins não exigem de mim habilidades que não tenho. Sou desajeitado por natureza.  Deixo os laços para quem gosta de fazer arranjo.

Cadê as bolas coloridas que enfeitavam essa árvore? O natal daquele ano foi de laços de fita vermelha. Charmosa, moderna e feminina. Foi demais pra mim. Mas quando não se mora sozinho tem que saber que não se ultrapassa em faixa amarela contínua, principalmente de mão dupla. Nada de colisão por causa de um laço temporário.

Era laço pra brincar.  Os filmes mais concorridos nas salas de cinema eram os de faroeste norte-americanos e os famosos macarrônicos. Ficávamos imitando os caubóis tentando enlaçar um ao outro com pedaços de corda velha. Era divertido quando conseguíamos o feito. Difícil, mas divertido.

Está escrito: laço é nó corredio facilmente desatável com uma, duas ou mais alças. Adorava puxar os laços de cetim que enfeitavam os cabelos das meninas. Há quem faça o laço perfeito. Há quem consiga manter um laço por muito tempo. Têm laços que depois de atados nunca mais se desfazem – são raros, mas existem. Ficam desbotados, amarrotados, perdem o viço, mas continuam ali com suas alças e pontas. Mas também está escrito que laço é armadilha, rede para apanhar caça.  Para muitos é presente, para poucos é fortuna e para outros é prisão.

Quando olhei para os seus pés vi um laço brilhante enfeitando o seu sapato. Era laço pra enfeitar. Ou seria laço pra seduzir?  Sorri um sorriso maroto. Era laço pra enfeitiçar.





Calundu



Para Paula Barros


Era noite sem lua. Noite escura sem vaga-lumes para enfeitar. Meus olhos assustados de moleque arteiro procuravam os fantasmas das histórias contadas em tardes de chuva pela dramática e gorda vizinha que adorava nos amedrontar. Era o que tínhamos quando não podíamos brincar na rua por causa do temporal. Olhos maduros nos vigiavam para não cairmos na tentação.

Ainda procuro fantasmas e vaga-lumes em noites nubladas. Têm coisas que carregamos pra sempre. E tudo se transforma em sombra quando a noite é triste.  Hoje, em particular, meus olhos não enxergam o caminho de volta. O pretume que me acompanha empurra o meu corpo pra frente, impedindo o meu retorno ao ponto de partida. Não tenho outra escolha a não ser seguir em frente. Sigo. Simplesmente sigo. Não sei se é destino, se é fio de arame ou simplesmente terra batida.  Sei que sigo num caminho improvisado e estreito. Sigo sem saber ao certo aonde chegar. Chegarei? Ou caminharei até o corpo não mais aguentar?

As folhas enfeitavam as cabeças dos imaginários espantalhos que me seguiam de braços abertos como se fossem me pegar.  Fechava os olhos e seguia o caminho grudado na saia da minha mãe.  Ela era a luz que me guiava na floresta encantada de muitos bichos esquisitos que habitavam a minha mente de menino assustado. De olhos fechados eu só queria chegar logo. Sair do mundo encantado e ver pessoas de verdade e objetos reais. Sem o mapa nas mãos o pirata não chega a lugar nenhum. Ainda encontro espantalhos pelos caminhos que sigo.
Mesmo sabendo que não existem florestas encantadas, minhas mãos sempre procurarão a barra de uma saia pra segurar. Indo em direção ao desconhecido nunca é bom estar sozinho. Nunca se sabe o que vamos encontrar.

Hoje a noite não tem lua.


Apneia


Para Lis e Margoh



Ainda respiro. Se há oxigênio, há esperança. Mesmo que ele venha de um corpo alheio.  

Às vezes me encontro dentro de uma bolha translúcida iluminada por uma luz difusa que deixam cegos aqueles que estão do outro lado. Ninguém me vê. Eu os vejo. Posso com minhas garras rasgar a parede dessa bolha cheia de líquido? Dessa bolha que me transporta para além dos meus olhos? Certamente que sim. Mas quem disse que eu quero rompê-la? Ainda respiro. Há oxigênio suficiente para as minhas idas e vindas nesse mundo criado. Caminhos necessários a minha sobrevida.  Não sei se você me entende, entende? Esses nascimentos espontâneos, nascimentos quase que diários paridos sem dor, expelidos numa magnitude microcósmica, ar, oxigênio, bolha, luz divinal, viagens ao infinito.

Mas o mais importante de tudo isso é a respiração.  É o gás bom que gera vida na entrada e na saída no corpo dos seres vivos. Somos bichos. Pertencemos ao mesmo reino que a esponja do mar, aos sapos que hoje são tão raros, as temidas cobras e lagartixas, os belos pássaros e os mais ferozes dos felinos. Somos todos bichos que trocamos gases com outros seres verdes numa interação que só o homem não valoriza. Somos os mais ignorantes de um reino chamado animal.

É importante respirar. Mais importante ainda é ter fôlego pra aguentar essa coisa corrida que nos obriga agir no mesmo instante. Eu não quero agir por impulso. Não tenho mais a energia da juventude quando correr era preciso. Quero a tranquilidade dos passos curtos, de pés descalços numa areia fina e molhada pela espuma do mar. Refletir, agora, é mais que preciso. É capina nos emaranhados esquecidos.

Não sou e nunca fui essa parede de silêncio difícil de transpor que você vive me dizendo. A minha tagarelice fica na escrita confusa. As blasfêmias, eu as deixo nas metáforas permitidas.  Estou longe – quase inalcançável. Mas não pra tudo. A natureza me vê. Pois pertenço a ela da mesma forma que ela me pertence. Somos uno de forma assimétrica. Completamo-nos de forma livre. E é assim que tem que ser.

A invisibilidade me permite errar.